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Gestão Pública Contemporânea: O ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios
Gestão Pública Contemporânea: O ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios
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Gestão Pública Contemporânea: O ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios

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Este livro é o segundo de uma série de publicações com o selo da Sociedade Brasileira de Estudos do Terceiro Setor. A Série Gestão Pública Aplicada tem o objetivo de promover o intercâmbio entre as produções acadêmicas relevantes para o campo da Gestão Pública Contemporânea, dando, ao público em geral, acesso a conteúdo de qualidade. As obras que comporão a série darão ênfase na prática da gestão pública contemporânea, com o fito de promover a divulgação de práticas efetivas de gestão na atualidade.
O livro Gestão Pública Contemporânea: o ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios tem como propósito congregar a discussão técnico-empírica produzida por pensadores, pesquisadores e profissionais do campo de públicas, colocando em evidência a importância da discussão do ciclo de políticas públicas para compreensão dos fenômenos inerentes à Gestão pública brasileira na contemporaneidade. De modo que a obra que apresentamos, explora os limites e potencialidades de políticas públicas à luz de seus principais desafios. Os 09 artigos presentes nesta edição enfrentam questões prementes à gestão pública contemporânea no Brasil, com reflexões críticas e resultados que podem contribuir para melhor observação do cenário brasileiro na atualidade.
O leitor terá a oportunidade de acessar uma rica discussão sobre temas diversos, todas de ordem relevante para construção de perspectivas sofisticadas a respeito do cenário atual da gestão pública brasileira e seus resultados.
LanguagePortuguês
PublisherEditora Kelps
Release dateJun 6, 2019
ISBN9788540027657
Gestão Pública Contemporânea: O ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios

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    Gestão Pública Contemporânea - Égon Rafael dos Santos Oliveira

    Égon Rafael dos Santos Oliveira

    Gilberto Torres Alves Jr.

    (Organizadores)

    GESTÃO PÚBLICA CONTEMPORÂNEA

    O ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios

    Goiânia-GO | Kelps, 2019

    Copyright © 2019 by Égon Rafael dos Santos Oliveira e Gilberto Torres Alves Jr.

    Editora Kelps

    Rua 19 nº 100 – St. Marechal Rondon

    CEP 74.560-460 – Goiânia-GO

    Fone: (62) 3211-1616

    E-mail: kelps@kelps.com.br

    homepage: www.kelps.com.br

    Capa

    Smart 7 Comunicação e Marketing

    Programação visual

    Victor Marques

    CIP – Brasil – Catalogação na Fonte

    Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região)3294

    DIREITOS RESERVADOS

    É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

    Impresso no Brasil

    Printed in Brazil

    2019

    SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DO TERCEIRO SETOR

    A SBTES (Sociedade brasileira de estudos do terceiro setor) foi idealizada a partir da experiência de seus três fundadores. O estudo, pesquisa e atuação, na gestão pública brasileira permitiu que acumulássemos experiência, conhecimento e técnicas relacionadas às práticas de gestão, principalmente aquelas voltadas ao terceiro setor. Com base nisso a SBTES tem por missão atuar para a constante melhoria da gestão do terceiro setor, oferecendo instrumentos que possibilitem o desenvolvimento e a qualificação de seus parceiros e clientes.

    Temos consciência do atual cenário que governos e mercados enfrentam. A escassez de recursos tem forçado gestores de todos os cantos do Brasil a fazerem escolhas cada vez mais cerradas, além de terem que garantir que o emprego do orçamento seja realizado da melhor maneira possível, produzindo relações de custo-benefício reais. Somado a isso, temos uma população cada vez mais consciente de seus direitos, com ferramentas de cobrança e auditoria ao alcance das mãos – como é o caso das redes sociais. Assim, gestores tem cada vez menos espaço para o cometimento de erros. É preciso acertar sempre e acertar melhor!

    Sabemos de todos os desafios que se colocam diante da prestação de serviços públicos e como tornar eficiente e eficaz o processo de desenvolvimento e implementação de políticas públicas é custoso. Exigindo, assim, o envolvimento de todos aqueles que têm vontade de criar uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva. De modo que nós, na SBETS, nos posicionamos no mercado como uma Associação sem fins lucrativos, tendo como balizadores de nossas ações o Espírito Republicano e a Responsabilidade Social.

    Desejamos produzir junto com governos e instituições privadas uma sinergia capaz de impactar profundamente a experiência dos cidadãos no dia a dia. Trabalhar para qualificação das estratégias de gestão e potencialização das práticas de atuação é nossa principal motivação. Temos certeza que a soma de nossa experiência com o engajamento de nossos parceiros podem produzir EXCELENTES RESULTADOS.

    NOTA DOS ORGANIZADORES

    Este livro é o segundo de uma série de publicações com o selo da Sociedade Brasileira de Estudos do Terceiro Setor. A Série Gestão Pública Aplicada tem o objetivo de promover o intercâmbio entre as produções acadêmicas relevantes para o campo da Gestão Pública Contemporânea, dando, ao público em geral, acesso a conteúdo de qualidade. As obras que comporão a série darão ênfase na prática da gestão pública contemporânea, com o fito de promover a divulgação de práticas efetivas de gestão na atualidade.

    O livro Gestão Pública Contemporânea: o ciclo de políticas públicas brasileiro e seus desafios tem como propósito congregar a discussão técnico-empírica produzida por pensadores, pesquisadores e profissionais do campo de públicas, colocando em evidência a importância da discussão do ciclo de políticas públicas para compreensão dos fenômenos inerentes à Gestão pública brasileira na contemporaneidade. De modo que a obra que apresentamos, explora os limites e potencialidades de políticas públicas à luz de seus principais desafios. Os 09 artigos presentes nesta edição enfrentam questões prementes à gestão pública contemporânea no Brasil, com reflexões críticas e resultados que podem contribuir para melhor observação do cenário brasileiro na atualidade.

    O leitor terá a oportunidade de acessar uma rica discussão sobre temas diversos, todas de ordem relevante para construção de perspectivas sofisticadas a respeito do cenário atual da gestão pública brasileira e seus resultados.

    Sumário

    A GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA COMO PRODUTORA DE CIDADANIAS: POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS

    Égon Rafael dos Santos Oliveira

    AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS BRASILEIRAS SOB ESCRUTÍNIO: O DECRETO-LEI Nº200 E O PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO

    Égon Rafael dos Santos Oliveira

    A PROPOSTA DE REFORMA GERENCIAL NO BRASIL: IDAS E VINDAS DO PROCESSO LEGISLATIVO

    Guilherme Carvalho

    PARTIDOS DE ESQUERDA E REFORMAS DA GESTÃO PÚBLICA: A EXPANSÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO GOVERNO DA BAHIA

    Ana Claudia Pedrosa de Oliveira

    AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA CONCENTRAÇÃO DE RECURSOS DE CUSTEIO DA MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE EM GOIÂNIA NA REGIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM GOIÁS

    Gilberto Torres Alves Jr.

    Eliane Coury Pinto

    O PROGRAMA DE HUMANIZAÇÃO DO PRÉ-NATAL E NASCIMENTO E OS IMPACTOS NA DECISÃO RELATIVA À VIA DE PARTO

    Sarah Guerra Gonzalez Cursino dos Santos

    MODELO DE ANÁLISE DE EFICIÊNCIA APLICADO AOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS UTILIZANDO ANÁLISE ENVOLTÓRIA DE DADOS (DEA)

    Fabrícia Graziani Braga

    IMPACTOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NA MESORREGIÃO NORTE DO ESTADO DE GOIÁS: UM OLHAR MULTIDIMENSIONAL

    Victor Balbino dos Santos

    Jaqueline Damasceno Silva

    PARTICIPAÇÃO PARA CIDADANIA: UM ESTUDO SOBRE OS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO EM GOIÂNIA

    Lucas Souza Lacerda

    A GESTÃO PÚBLICA BRASILEIRA COMO PRODUTORA DE CIDADANIAS: POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS SOCIAIS

    Égon Rafael dos Santos Oliveira

    Mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília e especialista em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em Ciências Sociais com Habilitação em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás.

    E-mail: egon.rafael@gmail.com

    RESUMO

    O primeiro capítulo deste livro objetiva situar a gestão pública contemporânea a partir da necessária discussão sobre cidadania no Brasil. De modo que abordaremos a discussão da ideia de cidadania a partir de seu surgimento, quando objetivava limitar os poderes do Estado, passando por seu desenvolvimento como noção expansiva de direitos chegando, por fim, a construção brasileira de cidadania. O caráter plural de nossa abordagem, cidadanias, representa a concepção desenvolvida no trabalho, partindo da premissa de cidadanias contingentes, multivariadas e formatadas distintamente. Desdobra-se dessa concepção a discussão a respeito dos direitos sociais, seu impacto na construção de experiências de cidadania horizontais (que dizem respeito à distribuição e redistribuição de renda, ampliação de acesso à moradia, saúde, educação, lazer e cultura, no fortalecimento de práticas coletivas) e verticais (que tratarão das questões voltadas para reconhecimento da diferença e do diferente, a partir de processos de absorção e apoio à diversidade e a individualidade) diretamente vinculadas a produção de políticas públicas na contemporaneidade. As conclusões apontam na direção do reconhecimento de que as experiências de cidadania são tensionadas pelos limites postos à liberdade e à igualdade, evidenciando que a garantia de acesso aos direitos sociais é uma largada efetiva para a redução das desigualdades e para o combate às vulnerabilidades.

    Palavras-chaves: Cidadanias; Direitos Sociais; Inclusão; Políticas públicas; Brasil.

    1. INTRODUÇÃO

    A ideia de cidadania data da Revolução Francesa, ocorrida no século XVIII, e surge como um modo de limitar os poderes do Estado, sempre administrado por representantes que, até aquele momento, consideravam-se o próprio Estado[1] (ver nota). Instituir parâmetros para a relação entre o Estado e a sociedade era o objetivo da formatação de um significado que abarcasse a ideia de que os homens livres eram detentores de direitos e não apenas de deveres. Logo, o Estado era responsável por garantir, além da liberdade, tão aclamada desde os longínquos tempos, a igualdade entre os homens. A cidadania surgia dentro desse questionamento da ideia de liberdade negativa. Os homens não poderiam ser livres para morrer à míngua, de fome ou de frio. O Estado deveria garantir a liberdade dos homens ou a igualdade entre eles? A resposta dos defensores da cidadania foi: ambas. Existe, diriam eles, uma intersecção entre liberdade e igualdade. Seria nessa intersecção que o Estado atuaria, dentro desse limite garantidor das liberdades e de regimes de igualdade o papel do Estado de realizaria.

    E, mais que isso, o nascimento da cidadania faz emergir uma ideia de direito construído a partir de uma vinculação natural, em uma espécie de direito originário, em outras palavras, nascendo um ser humano, nasce um cidadão. E nascendo um cidadão vincula-se ao Estado a responsabilidade de garantir que esse cidadão se potencialize e atinja a plenitude, tornando-se, assim, um cidadão de fato e de direito. Os indivíduos deviam ser tratados como cidadãos, pois, faziam parte da sociedade, eram filhos da terra, logo, eram cidadãos, substituindo gradativamente a noção de direito hereditário ou direito de sangue. Os direitos passariam a ser disputados e requeridos por indivíduos que, até então, eram considerados humanos, mas num tipo de humanidade de segunda classe. Uma humanidade que não lhes garantia considerações legais e/ou sociais, tornando-os uma espécie de párias, sujos, não bem-vindos, em suma, sub-humanos. A cidadania então alarga a noção de direito, reconfigurando-o frente a noção de privilégio.

    É sabido que nos desdobramentos do Estado moderno, as próprias definições dadas à liberdade e à igualdade foram reconfiguradas de modo contingente. Por exemplo, no Estado inerte às questões sociais, considerado não intervencionista, a cidadania é contemplada a partir da defesa das liberdades individuais e de sua autorresponsabilização. O Estado defensor da liberdade negativa entende que os homens são livres, inclusive, para perecerem. Já no Estado de bem-estar social, a igualdade ganha premência, tornando o Estado responsável por todos aqueles que nascem e vivem dentro de seus limites. Assim, a cidadania atravessa a constituição do Estado moderno e chega à contemporaneidade, tendo seus desdobramentos multidimensionais e diversos, sem uma conformação uníssona ao redor do globo. Países, como aqueles componentes da União Europeia, experimentaram uma constituição de cidadania completamente diversa daquela de países periféricos e colonizados. Mas, por outro lado, alguns princípios regulares são endossados e apropriados por diversos autores que desejam pensar o tema e produzir um esforço de universalização do conceito. Nesses princípios regulares, compartilhados por boa parte dos teóricos que discutem o tema, encontramos os direitos sociais. Essa subcategoria, componente da estrutura da cidadania, foi concatenada por Marshall no século XX e a partir daí alastrou-se pelo mundo ocidental.

    Compreender os direitos sociais, seu impacto na construção de experiências de cidadania horizontais (que dizem respeito à distribuição e redistribuição de renda, ampliação de acesso à moradia, saúde, educação, lazer e cultura, no fortalecimento de práticas coletivas) e verticais (que tratarão das questões voltadas para reconhecimento da diferença e do diferente, a partir de processos de absorção e apoio à diversidade e a individualidade) são questões que urgem nos dias atuais. Diferenciar direitos sociais de privilégios estruturais e estabelecer uma discussão sufragista dos direitos sociais é matéria de ordem para gestão pública na contemporaneidade e para produção de políticas públicas. De modo que, na esteira dessa perspectiva reconhecer, de acordo com Nancy Fraser, como sendo constitutivo dos direitos sociais na contemporaneidade as lutas por reconhecimento e redistribuição, sabendo que isso significa, em parte, pensar em como conceituar reconhecimento cultural e igualdade social de forma a que sustentem um ao outro, ao invés de se aniquilarem (pois, há muitas concepções concorrentes de ambos!) (2006, p. 231), além disso, aponta a autora, esse processo exige também, portanto, esclarecer os dilemas políticos que surgem quando tentamos combater as duas injustiças ao mesmo tempo (IBIDEM), distinguindo aquilo que é injustiça econômica e injustiça cultural, sem deixar de levar em consideração o seu entrelaçamento, muitas vezes, constitutivo.

    2. CIDADANIA COMO CONCEITO GLOBAL

    Thomas Humphrey Marshall, desde a década de 30 na Inglaterra, a partir de sua perspectiva de Sistema Social[2] (ver nota) – que se aproxima de autores como Parsons e Durkheim – defende a compreensão social de modo evolutivo e funcionalista[3] (ver nota). Marshall reconhecia a relação entre os direitos individuais e coletivos, tendo em mente sua conflitividade material baseada na ideia de escassez, aquilo que contemporaneamente nomearemos como reserva do possível. Mas, mesmo diante desses limites vislumbrados pelo autor, ele compreendia como imprescindível que o direito do cidadão nesse processo de seleção e mobilidade é o direito à igualdade de oportunidade. Seu objetivo é eliminar o privilégio hereditário. Basicamente, é o direito de todos de mostrar e desenvolver diferenças ou desigualdades (1967, p. 101).

    A cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos (MARSHALL, 1967, p. 84).

    Para Marshall o desenvolvimento da cidadania ocorreria de modo gradual e compositivo. Ele, tendo a Inglaterra como referência, constata que nela os direitos civis foram conquistados no século XVIII, os direitos políticos no século XIX e os direitos sociais no século XX.

    O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos validos e o direito à justiça. [...] Isto nos mostra que as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido de autoridade política ou como um eleitor membro de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos locais. O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais (MARSHALL, 1967, pp. 63-4).

    Esses três tipos de direitos, comporão – na perspectiva Marshalliana – a estrutura da cidadania, que resultará em "um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade" (MARSHALL, 1967, p. 76). Marshall se tornou uma referência na discussão sobre cidadania. Seja por ser endossado ou criticado, ele compõe o cânone das produções sobre o tema. A teoria de Marshall permite a materialização da noção de cidadania, a construção de métricas para compreensão do grau de impacto do conceito na experiência cotidiana dos indivíduos. A partir dele é possível materializar a compreensão daquilo que a Revolução Francesa objetivava: indivíduos resguardados pelo Estado, mas, se necessário, protegidos dele. Todavia, os limites de sua teoria estão postos, justamente, pelo desfecho evolutivo e meramente material atribuído à cidadania (reduzindo o conceito àquilo que nomeamos anteriormente de cidadania horizontal) predizendo que, ao cabo, a cidadania, mesmo que não esgotasse a desigualdade, a tornaria sublimada. Pois, diante da construção de um status de cidadania igualitário, fatores como renda e classe não seriam relevantes. Marshall não consegue apreender aquilo que outros autores, como Domingues, por exemplo, desnudam.

    Domingues gera uma crítica à teoria Marshalliana, pois para o autor a Cidadania, primeiramente, não pode ser contabilizada pela mera formatação de condição de acesso aos bens materiais, como serviços públicos. Além disso, para Domingues, a ideia de um balanço justo proposto por Marshall, onde é necessário dar a cada cidadão, na medida de sua necessidade – aquilo que lhe falta, num formato similar à Poor Law britânica, tornando a discussão sobre cidadania um referendo às políticas públicas de assistência – não contempla a expectativa de produção de uma cidadania holística que atravessa em primeiro grau a entrega de condições dignas de existência, mas que paralelamente fornece as condições para formação subjetiva dos indivíduos a partir de experiências de cidadania. É necessário ter em mente um modelo de liberdade que se constitua distante da noção de liberdade negativa, em uma espécie de laissez-faire absoluto. Especificamente após a segunda guerra mundial, esse modelo de Estado e substituído por um padrão de Welfare State[4] (ver nota), que desemboca na produção, daquilo que Domingues chama, de dialética da reflexividade[5] (ver nota).

    Essa definição de dialética da reflexividade é importante e pauta a discussão da liberdade como componente da constituição moderna, mas sinaliza a cautela necessária na articulação desses argumentos, posto que o objetivo é construir um conceito de cidadania que esteja imbricado na modernidade e, portanto, que consiga traduzi-la. Assim, a liberdade precisa ser acoplada à constituição de outro conceito, a igualdade. A igualdade é necessária para que a liberdade não seja corrompida por privilégios (DOMINGUES, 2002, p. 97). De modo que a relação entre liberdade e igualdade pertence a todos os domínios da vida social: o poder e a capacidade são questões que importam a quaisquer deles (IBIDEM, p. 128). É preciso considerar que a autonomia do sujeito é garantida tão e somente se os contextos sociais o permitem – as funções do Estado deveriam ser, portanto, referidas à conformação daquele contexto (IBIDEM, p.108). Posto que mesmo com o alto grau de juridificação da vida social o Estado não tem conseguido interferir e constituir políticas que influenciem a distribuição de riquezas e renda. Desse modo a desigualdade é o contraponto que tem acompanhado a igualdade durante toda modernidade, além de permear o imaginário moderno (IBIDEM, p. 115).

    Essas duas dimensões, a do indivíduo autônomo e a do cidadão, estão intimamente ligadas. Sem indivíduos capazes de discutir e refletir com autonomia não existe democracia verdadeira. Sem práticas institucionais e sociais que estimulem e garantam a possibilidade de crítica e a independência de opinião e de ação, não existem indivíduos livres. O problema é que não é fácil perceber os modos insidiosos pelos quais as práticas dos poderes dominantes constroem a ilusão de liberdade e igualdade. E não há campo melhor para se desconstruir e criticar as ilusões que reproduzem o poder e o privilégio em todas as suas formas que o universo do senso comum. No mundo moderno, cuja legitimidade é baseada na liberdade e igualdade de seus membros, o poder não se manifesta abertamente como no passado (SOUSA, 2009, p. 42).

    Essa incidência da noção de cidadania sobre a constituição das individualidades, formatando novas subjetividades é realizada no bojo do Estado racional moderno[6] (ver nota), por esse motivo a compreensão da modernidade e de nosso estágio atual de constituição social precisa ser pautado através de uma noção de reflexividade. Isso é necessário uma vez que o desenvolvimento constitutivo das sociedades e de suas instituições reguladoras e representativas adquiriu maior grau de autonomia e intervenção, reverberando, assim, no comportamento dos indivíduos. A família e o gênero, o amor e a amizade, o gosto e as formas de apresentação de si são muito mais abertas contemporaneamente que antes da modernidade, ou inclusive em seus aspectos precedentes (DOMINGUES, 2002, p. 33). Paralelo a esse primeiro movimento existe um processo de individualização e globalização crescente e irrefreável que estreiam o encerramento de uma modernidade centralizada estatalmente.

    A peculiaridade dessa cidadania moderna é que, embora seja uma das muitas identidades associativas que as pessoas normalmente assumem, o Estado que a define é diferente de qualquer outra associação. Embora seja parte da sociedade, o Estado também a molda. Embora o Estado seja uma associação, é também uma associação de associações e regula as suas formas de incorporação. Portanto, como principal identidade da associação ao Estado, a cidadania é diferente de qualquer outro status. Suas condições têm mais efeito, pois ela articula os outros status em termos da estrutura específica da lei, das instituições, das exigências e dos sentimentos do Estado-nação (HOLSTON, 2008, p. 47).

    A cidadania nacional é fortemente hierarquizada e baseada na diferença. A construção da cidadania contemporânea enfrenta a negação dos reveses que a experiência globalizante tem oferecido aos Estados nacionais. A busca por experiência de bem-estar continua sendo o norte das sociedades e isso

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