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Políticas e Práticas Educacionais: Dilemas e Proposições
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Políticas e Práticas Educacionais: Dilemas e Proposições

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Esta obra coletiva procura abordar importantes temáticas da educação contemporânea, sobretudo, refletindo sobre pontos desafiadores que instigam os educadores da Educação Básica. Busca uma interlocução com o leitor por meio do olhar dos autores sobre diversos aspectos presentes em diferentes níveis de ensino. Dessa forma, se reafirma o compromisso com uma educação mais inclusiva, democrática e acolhedora, convidando o leitor a materializar as ideias refletidas realizando uma leitura crítica e buscando exercitar uma escola mais qualificada. Foi neste contexto que a obra intitulada Políticas e práticas educacionais: dilemas e proposições ganhou corpo, construída por mãos que buscam refletir práticas, defender concepções e anunciar ideias em torno dos processos formativos e pedagógicos nos diferentes níveis e modalidades da Educação Básica e, agora se materializa nesta produção coletiva. Espera-se que as abordagens apresentadas/refletidas nesta obra possam contribuir para ampliar o debate e a reflexão acerca das temáticas evidenciadas, assim como, fomentar inquietações para novos estudos sobre as políticas, formação e processos educativos.
LanguagePortuguês
Release dateJun 4, 2019
ISBN9788546213566
Políticas e Práticas Educacionais: Dilemas e Proposições

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    Políticas e Práticas Educacionais - Maria Eurácia Barreto de Andrade

    Organizadoras

    PARTE I

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

    Capítulo 1

    FORMAÇÃO DE PROFESSORES: TEORIA, PRÁTICA E HABITUS PROFESSORAL NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO

    Lucas Lourenço Silva

    Irene Silva de Abreu

    Juvenilto Soares Nascimento

    Introdução

    O objetivo deste capítulo é o de apresentar a importância estratégica do estágio supervisionado que aproxima a teoria e a prática, levando-as a incidir sobre o habitus professoral assimilado pelo estudante mesmo antes do curso de licenciatura. Pela pertinência, discutem-se ainda as implicações do atual contexto político sobre o currículo e a política de formação de professores da educação básica.

    Uma vez que a formação adequada do professor da educação básica contempla, no mínimo, o saber específico e o saber pedagógico, é mister que prática e teoria sejam apresentadas como uma unidade a fim de reorientar o habitus professoral a partir de uma sólida fundamentação. Devido a isso, esta pesquisa trata da relação entre o habitus professoral e a formação dos professores da educação básica no estágio supervisionado.

    Ao tratar da importância do habitus professoral para a formação docente, este capítulo contempla conceitos formulados por Pierre Bourdieu, como poder simbólico e habitus, contribuições teóricas bastante pertinentes e atuais para a discussão.

    Considera-se essencial que o habitus professoral seja compreendido a partir do contexto histórico de formação dos professores; e que o habitus professoral pode sofrer alterações conforme as significações da teoria e da prática no estágio supervisionado.

    A formação do professor no Brasil: contornos históricos

    O problema da formação do professor no Brasil tem origens históricas. Remonta ao surgimento da escola no Brasil, especificamente a partir da chegada dos jesuítas¹ já no século XVI. Aos olhos da Coroa Portuguesa, a atuação dos religiosos facilitaria o trabalho de exploração dos colonizadores.

    Ainda no período colonial, apesar do desenvolvimento da educação jesuíta para os filhos da classe dominante, Portugal se serviu da educação para controle sobre os dirigentes do território explorado, proibindo-lhes de criar universidades no país. Incentivava, pois, que os brasileiros interessados em prosseguir estudos cursassem as universidades em Portugal. Como os cursos d’além-mar não se voltavam ao magistério, a prática docente continuou por muito tempo sob a responsabilidade dos jesuítas, com formação predominantemente religiosa (Gonçalves, 2011; Aranha, 2006).

    Nascimento, Silva e Carneiro (2016) evidenciam o desinteresse de Portugal pela educação dos colonos em razão da ausência, até então, de financiamento público. Isso porque apenas em 1772 se criou o Subsídio Literário², que destinava receita pública à educação.

    No ano de 1775, a reorganização administrativa sob o comando do Marquês de Pombal³ – a pretexto da laicidade do Estado, mas motivado pelo combate ao poder político e econômico alcançado pela Companhia de Jesus – levou à expulsão dos jesuítas dos territórios controlados por Portugal. Essa medida provocou o desmanche da estrutura escolar de então, e as medidas que Portugal adotou nos anos seguintes para substituí-la foram pouco efetivas (Gonçalves, 2011).

    Por esse período, as famílias abastadas passaram a consolidar a prática de contratação de professores particulares para ensinar a seus filhos. Evidentemente que esses profissionais também não possuíam uma formação voltada à profissão docente.

    Não obstante essa precariedade brasileira quanto à formação de professores, somente em 1835 se criou a primeira Escola Normal do Brasil. Pouco depois, em 1837, inaugurou-se o Imperial Colégio de Pedro II. Enquanto o público-alvo da primeira era a parcela dos menos afortunados, o do segundo era a elite econômica, intelectual e religiosa.

    Desde então, de tempo em tempo, o país passou a adotar também políticas de formação aligeirada de professores, sempre legitimadas pelo discurso da falta de professores com a devida formação. Atualmente esse tipo de formação tem se escusado sob o pretexto da exigência contida na Lei n. 9.394/1996 – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Isso porque se definiu no parágrafo 4º do artigo 87 de suas disposições transitórias que: até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou por treinamento em serviço.

    A esse respeito, Gatti é bastante elucidativa:

    Já, em 1932, se propunha uma formação universitária para todos os professores da educação básica e uma formação integrada a fim de criar para os docentes uma identidade profissional fundada na formação em nível superior, mas uma formação densa erigida a um alto nível cultural-científico. Desse Manifesto (1932) para cá, pouco caminhamos em qualidade. Na verdade, embora somente em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional (Brasil, 1996) venha a propor a formação de todos os professores em nível superior, as políticas educacionais até aqui, em que pesassem os dados trazidos por pesquisadores da educação por quase um século, não ofereceram condições para que essa formação fosse integrada, com a possibilidade de, nos termos do Manifesto, formar seu espírito pedagógico (Azevedo et al., 2010, p. 59) e fugir da superficialidade da cultura, fácil e apressada, apoiando-se nas ciências e no espírito científico, permitindo com isso a superação da falta de crítica e o adesismo, desenvolvendo o espírito de síntese (p. 57), espírito que permite orientar práticas e que cria força para exercer influência efetiva na sociedade e afetar, dessa forma, a consciência social. (Gatti, 2013, p. 57-58)

    Em 2009, era o Decreto n. 6.755 que instituía a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Com as diversas críticas, em 2016 foi revogado pelo Decreto n. 8.752, que ainda permite, por exemplo, a formação inicial em nível médio. Destaca-se, também, que historicamente os cursos de formação de professores, portanto de licenciatura, destinam-se aos estudantes socialmente desprivilegiados. É essa a realidade social dos estudantes dos cursos de licenciatura, cuja atribuição principal é formar docentes para a educação básica.

    O habitus professoral: um aspecto a ser considerado na formação de professores

    Para Bourdieu e Passeron (2012), a educação pode operar como um mecanismo ideológico utilizado pelo Estado para a reprodução das estruturas sociais. Assim, todos os elementos que a estruturam podem contribuir para a manutenção da dominação e, consequentemente, da desigualdade social. Para os autores, cada dispositivo e ação da escola no intuito de legitimar o poder hegemônico estão eivados do poder simbólico. Bourdieu e Passeron o definem como

    todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescentando sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força. (Bourdieu e Passeron, 2012, p. 25)

    Convém ressaltar que nesse sistema de valores implícitos estão todos os valores pelos quais as famílias e seus respectivos membros se guiam. Um desses valores é exatamente o da importância dada à educação. Portanto, se o querer está relacionado ao valor que se dá a algo, o querer está intimamente relacionado à cultura da família e do meio social em que o indivíduo vive e com que se relaciona. No entanto, esses valores influenciam fortemente, mas não são absolutos, pois as experiências subjetivas de cada membro com essa cultura podem eventualmente resultar em uma prática individual dissonante da dos demais membros.

    Foi na tentativa de desvelar esses mecanismos que Bourdieu (2014) desenvolveu o conceito de habitus. Este surgiu a partir da necessidade de se compreender por que as práticas do meio social influenciam as práticas individuais e as disposições internas de cada agente social.

    Em se tratando de formação de professores, compreender o habitus professoral demanda conhecer a lógica de poder que impera no sistema escolar. Isso porque, segundo Bourdieu, próprio do processo dialético de internalização e exteriorização, os agentes são influenciados na medida em que também influenciam.

    Por se inserir em uma sociedade orientada por uma lógica de reprodução social, o sistema escolar acaba por legitimá-la. Por conseguinte, o habitus – inclusive o professoral – dos sujeitos envolvidos no processo escolar incorpora essa estrutura tradicional de ensino. Dessa maneira, o estudante, ao longo de seu percurso escolar, assimila o habitus professoral que é expressão do seu meio escolar.

    Como dão a entender Baldino e Donencio (2014), já nas brincadeiras infantis esse habitus professoral se manifesta. Os autores citam o exemplo das crianças brincando de aula. Nessas atividades lúdicas, as crianças tendem a reproduzir atitudes e falas que presenciam em sala de aula. Logo, se as crianças vivenciam uma prática docente repressora, por exemplo, natural que seja isso que irão assimilar como atribuição legítima para o professor.

    As práticas em cada ambiente social são históricas. Boggino (2009) aponta que até a concepção de avaliação de cada sociedade depende basicamente do momento e de suas circunstâncias históricas:

    Ao longo da história o conceito de avaliação tem assumido diversas acepções, que não são fruto do acaso, mas estão sim intimamente associadas a diferentes posturas ideológicas, epistemológicas, psicológicas e, consequentemente, pedagógicas. (Boggino, 2009, p. 80)

    Esse autor pretende mostrar que o modelo escolar eleito por uma sociedade e todos os seus aspectos se alinham diretamente com as circunstâncias a que está submetida essa sociedade. Não se trata apenas do conceito de avaliação, embora este seja um dos melhores aspectos para ilustrar o modelo escolar adotado por uma sociedade. Perrenoud (1999) recorre ao exemplo europeu, sobretudo do francês:

    Vivemos um período de transição. Por muito tempo, as sociedades europeias acreditaram não necessitar de muitas pessoas instruídas e se serviram da seleção, portanto da avaliação, para excluir a maior parte dos indivíduos dos estudos aprofundados. No início do século, 4% dos adolescentes franceses frequentavam as escolas e podiam pretender chegar ao final dos estudos secundários. Agora, a França pretende formar 80% dos jovens no secundário sem diminuir o nível de formação. Não é mais uma utopia, nem uma ideia de esquerda. (Perrenoud, 1999, p. 17)

    A avaliação é um bom exemplo para compreendermos o modelo escolar escolhido por determinada sociedade e também do habitus que a permeia. Embora o campo acadêmico no Brasil venha abordando e defendendo um avanço conceitual para a avaliação, as práticas docentes ainda estão carregadas do uso ideológico da avaliação, mascarando a reprodução das estruturas sociais vigentes.

    E por que é tão difícil avançar do campo conceitual para o prático, fazendo com que o conhecimento científico das universidades se torne prática pelas salas de aula? O primeiro motivo se deve à dificuldade de romper com o habitus, como apresenta Bourdieu (1983). De acordo com o autor, o habitus é um sistema de arranjos duráveis – embora transponíveis – que, integrando as experiências passadas às experiências presentes, funciona a todo instante como uma matriz de percepções, de apreciação e de ações.

    Sim, o habitus é formado por uma série de fatores. Considerando, pois, o homem um ser que vive em um contexto social específico, normalmente ele tem suas experiências marcadas até a juventude por gostos, aspirações e estilo de vida herdados principalmente da família. Esse conjunto de fatores imprime no indivíduo um habitus específico. É este que influenciará suas próprias aspirações, suas práticas e até mesmo sua maneira de lidar com as experiências posteriores. Como bem afirma Haecht (2008, p. 27): "o habitus está na junção do passado que incorpora e do futuro que engendra".

    Naturalmente que o habitus está sujeito às influências da época, da classe social e da família que se inserem nessa sociedade. Por ser individual – ao passo que também coletivo – está sujeito a alterações que só ocorrem de forma paulatina.

    É, portanto, possível que o docente contemporâneo reproduza ainda práticas típicas das gerações que o antecederam. Por isso, ciente das deficiências de muitos currículos de formação docente, Hoffmann (2009) salienta que não se pode levar adiante um programa de avaliação se não for trabalhada inclusive a dimensão teórica. De fato, sem fundamentos teóricos a subsidiar o fazer pedagógico do estagiário, torna-se impensável alterar o habitus assimilado por esse futuro docente ao longo de seu percurso escolar.

    O segundo motivo que dificulta a mudança do habitus diz respeito ao fato de que o sistema escolar corresponde a um dos mecanismos de reprodução social e, portanto, tende a reproduzir as estruturas sociais vigentes, como esclarecem Bourdieu e Passeron (2012).

    Baldino e Donencio (2014) mostram bem como essas estruturas são incorporadas e reproduzidas pelos docentes:

    As experiências, os saberes, os conhecimentos que o professor internalizou e incorporou como legítimos, ao longo de sua trajetória profissional, constituem-se em habitus, isto é, uma forma de ser, pensar e agir no mundo que interferem ou se acrescentam na prática professoral. Não se trata de negar a importância dos saberes acadêmicos aprendidos nas universidades ou nos cursos formadores de professores, mas entender que existem outros espaços de formação tão importantes quanto estes e que, no conjunto, determinam as formas de pensar e de agir dos professores e professoras. (Baldino; Donencio, 2014, p. 268)

    Por isso a importância das teorias pedagógicas possibilitarem uma reflexão acerca das estruturas simbólicas, que são assimiladas. Caso contrário, a prática do docente tenderá a se orientar essencialmente pelo habitus professoral assimilado durante sua vida escolar, já que, enquanto construto social e cultural, os agentes sociais não estão isentos em relação à sociedade em que vive.

    Ademais, a falta de conhecimento das teorias pedagógicas reflete negativamente na prática docente em sala de aula. A falta do domínio pedagógico tende a se reproduzir por meio do controle social pelo docente. Além disso, tal postura costuma ser acompanhada de discurso contrário tanto à formação pedagógica quanto às próprias teorias pedagógicas. Três são as principais razões para essa apologia equivocada:

    (a) primeira razão é porque muitos que receberam uma pretensa formação pedagógica não foram realmente bem formados. Daí porque muitos pedagogos e licenciados apresentam fragilidades em sua prática. Eles são, de certa forma, produto da formação restrita a que tiveram acesso.

    (b) a segunda, porque quem não domina minimamente as teorias e conceitos pedagógicos avalia sob sua própria perspectiva, que é inegavelmente orientada pelas disposições do habitus assimilado.

    (c) a terceira, porque é possível ministrar uma aula mesmo que nunca tenha tido uma formação pedagógica. Alguns até agem como excelentes professores. Na verdade, eles representam a expressão do habitus professoral neles formado. E, como expressão também individual, o habitus só pode ser alterado enquanto disposição interna, mas com influências externas (Bourdieu, 2014; Bourdieu e Passeron, 2012, 2013).

    Dentre essas influências, estão as formações pelos processos formais e pelos processos informais. Todavia, os processos formais são aqueles que podem corrigir equívocos assimilados nos processos informais e desassistidos de formação. Ressalta-se, porém, que o momento mais propício para se identificar as eventuais fragilidades de um currículo de formação docente – tanto no que se refere ao habitus professoral assimilado, ao domínio das teorias pedagógicas e dos conteúdos específicos – é no estágio supervisionado. É quando se pode observar o que o estagiário adquiriu de embasamento teórico e como este orienta sua prática docente, inclusive por meio da manifestação de seu habitus professoral.

    Há algo de errado com o estágio supervisionado, mas não apenas com ele

    Há anos em sala de aula já recebemos diversos graduandos para a atividade de estágio. Entretanto, quase todos se apresentavam para a observação; raríssimos para a regência. No documento de encaminhamento de alguns aparecia explicitado que a natureza daquele estágio se limitava à observação. Ao assinar a frequência e, por vezes, as atividades dos estagiários, na maioria deles de fato não se via ali qualquer menção à regência.

    É bem verdade que o estágio supervisionado se apresenta como uma etapa de terror para quase todo licenciando. Primeiro, porque comentar e encontrar eventuais problemas na aula de outrem é tarefa simples; ministrá-la, ainda que da forma mais elementar possível, não o é, em particular para quem não tem a prática de regência de aula. Segundo, porque lecionar consciente de que seus erros são observados por um estranho provoca insegurança, medo, apreensão.

    Contudo, se o estágio supervisionado se limita à observação de aulas, sem nenhuma orientação à prática docente do licenciando, qual o seu sentido de existir? Estágio de observação? Teoria sem prática? Não seria por isso que, não identificando aplicação prática à teoria, muitos profissionais passam equivocadamente a acreditar que apenas a prática é necessária para o magistério? Em parte, não é essa a lógica das formações aligeiradas de professores? Se apenas o fazer pedagógico construído empiricamente fosse suficiente, qual o sentido do ensino superior de, em média, 4 anos? Afinal, a que se presta o estágio supervisionado?

    Na concepção de Ghedin, Oliveira e Almeida (2015), a formação de professores, quando devidamente relacionada ao estágio, leva o estagiário a sentir a atividade docente e associá-la à prática educativa, de modo que o preparo teórico possa subsidiar a prática docente em sala de aula. Nesse sentido, o professor em formação encontra-se em fase adaptativa para compreender e exercer a prática pedagógica. Dessa forma, o exercício da docência não se completa sem [...] o estágio, enquanto teoria e prática do ensino-aprendizagem, como área de conhecimento fundamental no processo de formação de professores (Ghedin; Oliveira; Almeida, 2015, p. 170).

    O estágio é, de fato, a etapa em que prática e teoria se encontram e devem ser integradas. Possibilita ao estagiário a oportunidade de expor suas ideias, expressar dúvidas e omitir opiniões, recebendo o devido retorno de um profissional experiente e com formação integralizada. Enfim, o estágio supervisionado deve se caracterizar como um espaço de reflexão crítica, ao passo que o é de formação docente. É, portanto, um espaço formativo, cuja realidade exige uma práxis constante: teoria-prática-teoria. A partir desse espaço concreto, discutir aspectos como criatividade do professor e transformação da educação ganha sentido.

    Nesses termos, a reflexão se torna um dos instrumentos de que o educador se utiliza em sua prática cotidiana. A reflexão-ação-reflexão orientando sua prática permitirá que o professor seja efetivamente agente-autor de seu habitus professoral, e não apenas um ser passivo.

    Conforme Barros, Silva e Vásquez:

    [...] Assim, a sua práxis educativa concretiza-se mediante a aplicação de metodologias de ensino, planejamento e verificação da aprendizagem em um processo de ação-reflexão-ação, revela a educação como prática questionadora, que tem como base os seguintes aspectos: a intencionalidade, a natureza social, a necessária ação conjunta, e a sua realização como trabalho humano. (Barros; Silva; Vasquez, 2011, p. 511)

    Por outro lado, oferece ao licenciando perceber os desafios que a carreira docente impõe. Assim, o estágio lhe permite conhecer os problemas identificados no sistema escolar, na sua instituição formadora, na sua escola de estágio e na realidade dos escolares a que tem acesso.

    Em suma, a prática de ensino operada sob o estágio supervisionado é fundamental para a integração efetiva entre a prática e a teoria. É o momento de o professor responsável pelo estagiário perceber o que guia a prática deste e orientá-lo em caso de dificuldades. É o momento em que o estagiário precisa descobrir seus limites e suas potencialidades.

    Mas apenas um modelo bastante distinto do que normalmente é empregado atualmente propicia as condições para que essa reflexão ocorra de fato, pois é urgente e essencial que o estágio supervisionado seja reconhecido como uma etapa preponderante na formação dos futuros professores.

    Repensar esse modelo estratégico do estágio exige que se resolvam algumas questões de ordem prática. Uma delas reside na atribuição de responsabilidades. A quem compete orientar o estagiário e levá-lo à reflexão e a um eventual debate? O professor regente da turma onde ocorre o estágio? Ele mesmo conseguiria empreender a função de supervisionar o estagiário enquanto atende à sua turma? E, se o docente apresenta um habitus professoral inadequado, estaria apto a orientá-lo? Ou seria mesmo o professor supervisor, que está distante demais para intervir, uma vez que só tem acesso à percepção do estagiário? Como o supervisor poderia, a distância, identificar e contribuir para uma eventual reorientação do habitus professoral de seu aluno? Seria conveniente criar mecanismos para trazer o supervisor para o acompanhamento do estagiário na própria escola?

    Residência pedagógica: contexto político atual e polêmicas

    O governo do atual Presidente da República, Michel Temer, assumiu o programa apresentado por seu partido político no documento intitulado A travessia social: uma ponte para o futuro. Os pontos-chave desse documento explicitam o papel do Estado por ele defendido (Fundação Ulysses Guimarães, 2016).

    A preocupação sobre os efeitos dos cortes em programas sociais – inclusive com a tentativa de desobrigar o Estado em investir o mínimo constitucional em serviços essenciais como saúde e educação – surge devido ao que foi disposto no programa apresentado pelo PMDB:

    É necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada. [...]. Para um novo regime fiscal, voltado para o crescimento, e não para o impasse e a estagnação, precisamos de novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações e a implantação do orçamento inteiramente impositivo. (Fundação Ulysses Guimarães, 2016, p. 9)

    Esse ataque às vinculações na área educacional indica um processo de desmonte nas políticas públicas e um retrocesso nos princípios básicos do financiamento da educação, que já é deficitária, pois os recursos a ela destinados não têm sido suficientes para garantir a sua plena manutenção, o atendimento à demanda existente no país e, muito menos, a qualidade necessária.

    A vinculação das receitas de impostos para a educação na Constituição Federal de 1988 teve suas razões. A vinculação representou mais do que conferir ao Estado uma atribuição obrigatória a fim de garantir recursos para a manutenção do sistema escolar. Foi a forma encontrada pela Assembleia Constituinte na tentativa de assegurar permanente prioridade à educação. Para efeitos de vinculação a que o texto constitucional dispõe, prevista no artigo 212, estabelece-se que a União deve investir no mínimo 18% dos impostos arrecadados em educação; e estados, municípios e distrito federal devem investir 25%.

    Uma das primeiras ações do Governo Temer que trará impactos sob a educação é a Emenda Constitucional (EC) n. 95 de 2016, que alterou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), instituindo um Novo Regime Fiscal. A Emenda Constitucional n. 95 estipula um teto para os gastos públicos. Essas limitações impactarão diretamente à educação a partir dos próximos exercícios fiscais a começar por 2018, sendo este o ano em que a regra passou a ser adotada para educação e saúde; e a recomposição orçamentária passa a ser feita com base na variação da inflação do ano anterior e não mais com base na arrecadação.

    Com os termos apresentados pela EC n. 95, depreende-se que, em cenários de inflação alta, os valores transferidos para a educação serão corrigidos exatamente pelos índices da inflação, o que não gerará ganho real; e em cenário de deflação, as verbas da educação poderão, inclusive, ficar inalteradas, devido ao congelamento das contas públicas no cômputo geral por 20 anos. Logo, nessas projeções, a educação estará entre manter e perder em investimentos.

    Assim, Comparato et al. tecem suas críticas em relação ao teor da EC n. 95:

    Tal inversão de piso para teto desprega a despesa do comportamento da receita e faz perecer as noções de proporcionalidade e progressividade no financiamento desses direitos fundamentais. Assim, o risco é de que sejam frustradas a prevenção, a promoção e a recuperação da saúde de mais de 200 milhões de brasileiros. Ou de que seja mitigado o dever de incluir os cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, que ainda hoje se encontram fora da educação básica obrigatória. (Comparato et al., 2016, p. 5)

    Por fatores como esses, a tentativa abrupta de aprovação de pacote de ajustes fiscais sem diálogo com a sociedade tem gerado tensões devido aos possíveis desdobramentos que tais mudanças podem provocar.

    Por sua vez, que toda a educação brasileira carece de uma ressignificação é consenso entre os envolvidos em seus processos e na sociedade em geral, tanto que tais estudos já vinham sendo desenvolvidos por acordos firmados na Conferência Nacional de Educação (Conae). Porém, as recentes medidas do Governo Temer na área da educação são estritamente alinhadas com o atual contexto político e econômico. Ilustra isso o fato de que a elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as medidas que a ela aludem têm se apresentado de forma vertical, aligeirada, com forte orientação neoliberal, e sem a devida discussão e participação da sociedade.

    É, portanto, nesse contexto que também se situam as demais medidas na educação brasileira. Quanto à formação de professores, a residência pedagógica instituída pelo Governo Temer busca reorientar o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), que foi uma tentativa de tornar o estágio mais efetivo para os estudantes de licenciatura. Esse programa oferece bolsas para que os graduandos possam se dedicar ao estágio e se integrem ao ambiente escolar o quanto antes. Porém, o Pibid tem apresentado seus problemas estruturais, dentre os quais o alcance ainda bastante limitado.

    Por sua vez, aparentemente projetando uma efetivação do estágio supervisionado e ainda apostando nos programas de iniciação à docência, o inciso VII do artigo 11 do Decreto n. 8.752 de 2016 prevê "programas de iniciação à docência, inclusive por meio de residência pedagógica" (Brasil, 2016, grifo nosso).

    No entanto, os termos dessa residência pedagógica – apresentados pelo Edital Capes n. 6, de 2018 – trazem alguns aspectos no mínimo controversos, em particular quanto à sua maneira de impor a legitimação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que justifica o aparecimento desta em 3 dos 7 tópicos que dizem respeito ao que se denomina no item 3.1.4 de "Abordagens e ações obrigatórias" (Capes, 2018, p. 20, grifo nosso).

    O inciso IV do item 2.1 do Edital Capes n. 6 (2018) fere, por exemplo, a autonomia da universidade, sobretudo ao estabelecer que, para que a instituição de ensino superior participe do Programa, submeta seu currículo de formação inicial ao da BNCC, cujo texto final pouco contempla aos apelos de pesquisadores e professores formadores das próprias instituições de ensino superior.

    Soma-se a isso o problema de estreitamento curricular; não acidental, mas dirigido. Luckesi (2008) chega a denominar esse tipo de estreitamento de Pedagogia do exame, porquanto a lógica dos exames em larga escala passa a orientar também o currículo, priorizando disciplinas como a de Português e a de Matemática em detrimento das demais, a exemplo da influência do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). De igual maneira, os cursos de licenciatura também estão vulneráveis à BNCC e seu estreitamento curricular. Esse tipo de ingerência costuma ignorar que

    em síntese, escola justa é a que assegura o acesso de todos aos conteúdos culturais e científicos, como meio de promoção e ampliação do desenvolvimento intelectual, social, afetivo, estético, culminando no desenvolvimento da consciência e da personalidade. (Libâneo, 2018, p. 81)

    Outro problema do Programa de Residência Pedagógica é a possibilidade de precarização do trabalho pedagógico na turma do professor preceptor. Isso porque cada professor preceptor deverá ter nada menos que 8 e até 10 residentes sob seus cuidados, e que cada um desses estudantes deverá desenvolver o mínimo de 100 horas de regência no ano letivo. Verifica-se, assim, a tendência de as atividades de sala se tornarem quase que totalmente desenvolvidas pelos residentes. Embora o Edital (Capes, 2018) em dado momento confunda regência com planejamento de aula, por exemplo, não é taxativo ao limite de horas a serem ministradas por residente. Ora, nas escolas públicas do país, os duzentos dias letivos totalizam de 800 a 1.000 horas, contudo, um mesmo professor preceptor pode ter sob sua direção em um mesmo ano letivo o total de 10 residentes a um mínimo de 100 horas de regência cada.

    De qualquer forma, a um estágio supervisionado efetivo não basta que o estagiário/residente esteja na escola. É necessário que ele seja de fato supervisionado por alguém minimamente instrumentalizado: com boa experiência docente na educação básica; sólida formação nas áreas específica e pedagógica; além da capacidade crítica que se exige de um agente socialmente comprometido. Ao apresentar os requisitos mínimos para que o professor preceptor seja contemplado com a bolsa, o item 6.5 do Edital n. 6 (Capes, 2018) não contemplou de forma satisfatória esses aspectos. Estabeleceu como critérios fundamentais o mínimo de apenas dois anos de experiência e licenciatura no componente curricular ou curso do subprojeto, além da aprovação no processo seletivo do Programa.

    Considerações finais

    A formação dos docentes de educação básica, embora historicamente desprezada, é um dos aspectos fundamentais para a melhoria da aprendizagem e do combate à reprodução das desigualdades sociais. Dessa maneira, ignorá-la é tornar o professor em uma simples engrenagem de um sistema reprodutor das desigualdades e da violência simbólica que tem permeado o sistema escolar no Brasil.

    Uma vez que o habitus professoral é assimilado nas próprias relações entre os agentes do campo escolar, mesmo que formalmente os estudantes não estejam sob uma formação de professores, o habitus professoral presente no sistema escolar costuma ser assimilado pelos discentes. Por isso, a importância de que a formação de professores leve em consideração esse habitus já assimilado pelo graduando a fim de melhor orientá-lo.

    Quando menospreza os aspectos pedagógicos, o professor tende a reproduzir em sua prática docente o habitus professoral assimilado ao longo de sua vida estudantil. Essa reprodução de habitus compromete, por exemplo, a prática que vislumbra a potencialização do conhecimento, pelas teorias pedagógicas.

    Logo, o estágio supervisionado se constitui em uma etapa privilegiada na formação dos professores, pois, entre outras coisas, permite: a integração entre a prática e a teoria pedagógica; a ambientação do estudante com os mais diversos aspectos da realidade concreta de seu futuro lócus de trabalho; e a possibilidade de análise, reflexão e reorientação do habitus professoral do estagiário.

    Dentre os problemas do atual modelo de estágio, está o distanciamento entre o professor supervisor e a escola acolhedora do estagiário. Além disso, devido ao modelo que não confere o devido valor ao estágio supervisionado, alguns professores de licenciaturas chegam a contribuir para a polarização entre teoria e prática, em particular quando dispensam seus estagiários da regência nessa etapa. Essa dispensa da regência no estágio impossibilita ao docente da escola acolhedora do estagiário identificar equívocos no habitus professoral do estagiário a fim de reorientá-lo à base do conhecimento prático e teórico.

    Embora no Brasil o modelo de estágio supervisionado necessite ser discutido e reformulado a fim de que possa cumprir seu papel efetivo, a atual proposta da residência pedagógica apresenta suas contradições e polêmicas: se por um lado faz vislumbrar avanços ao aproximar professor orientador, professor preceptor e estagiário, o que pode conferir maior efetividade ao estágio supervisionado; por outro lado apresenta uma série de retrocessos. Dentre esses retrocessos se sobressaem o atentado à autonomia da universidade e o estreitamento curricular, tanto da educação básica quanto da educação superior, especificamente nos cursos de licenciatura.

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