Gerações em ebulição: O passado do futuro e o futuro do passado
By Mario Sergio Cortella and Pedro Bial
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Gerações em ebulição - Mario Sergio Cortella
GERAÇÕES EM EBULIÇÃO
O PASSADO DO FUTURO E O FUTURO DO PASSADO
MARIO SERGIO CORTELLA
PEDRO BIAL
Papirus 7 Mares>>
E se procurarem saber por que todas as imaginações humanas, frescas ou murchas, tristes ou alegres, se voltam para o passado, curiosas de nele penetrarem, acharão sem dúvida que o passado é a nossa única forma de passeio e o único lugar onde possamos escapar de nossos aborrecimentos cotidianos, de nossas misérias, de nós mesmos. O presente é turvo e árido. O futuro está oculto.
Anatole France
O que aconteceu ainda está por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.
Renato Russo
Oração do ansioso
Viver o momento, sim, mas quando o será?
Se espero o momento,
posso perdê-lo;
se não, também.
E quando chegar o momento, como reconhecê-lo,
entre tantos outros, univitelinos?
Como saber em que momento
começa o próximo momento
e termina o anterior?
O intervalo entre dois momentos,
como se chama,
senão momento?
E, passado tal momento,
qual será o momento de lembrar aquele momento
– posso o esquecer no exato momento
de chegar o momento que vem anunciar
o próximo momento.
Será nessa fricção
entre o momento anterior
e o seguinte
o exato momento em que
o tempo sopra como vento?
Será tempo o vento que espalha os grãos de areia?
Será a areia?
Será medido em grãos ou graus,
será perdido ou acumulado, será aprisionado ou liberto,
em que lado da ampulheta?
No momento que não chega, encontrarei a chance de reviver o momento
extraviado?
Em que momento
guarda-se o instante na estante da memória?
Procuro, entre as notas da partitura do acaso
e seus sábios silêncios,
o momento em que
todos os momentos
deixarão de ser muitos, tantos, grãos, graus, degraus numa escada sem cima nem baixo, para
tornarem-se um – tapeçaria inconsútil, sem núcleo, átomos ou células, sem antes nem depois –,
um só aplastado, espalhado, achatado, derradeiro, defunto
momento.
Pedro Bial, 2017
Mario Sergio Cortella por Pedro Bial
A luz e à luz de Cortella.
Não me lembro em que evento foi, ou onde, sei que faz anos, devia ser o início deste século, ou o fim do passado. Mas dele não esqueci, e guardei o nome, sonoro, marcante: Cortella. Entre os palestrantes, e eu era um deles, o cara se destacava de forma notável. O público vibrava com seu humor erudito e sua erudição cheia de graça. A programação informava tratar-se de um filósofo, mas o que se me apresentava diante dos olhos era um comunicador de poderes hipnóticos, extraordinário. Voz potente de locutor, dicção caprichada e a marca técnica inconfundível de acentuar com ênfase de cantor de ópera a última sílaba da última palavra da frase. Certo dizer que é um educador, impreciso defini-lo como um professor de massas, pois fala, sim, a muitos, mas consegue a proeza de se dirigir a cada um como se só àquele – sua capacidade de sedução arrebata indivíduos. E é isso que é tão valioso, libertador: destacar o sujeito da multidão, atribuir-lhe importância e responsabilidade – Mario Sergio Cortella já empoderava
seus ouvintes bem antes desse neologismo virar moda. Cada manifestação de Cortella – seja palestra, livro, entrevista, aula, programa de TV ou post – é um incentivo ao inconformismo, à insubordinação mental, à desconfiança que nutre o pensamento vivo e da qual se alimenta, desconfiança motor de toda democracia. Enquanto muitos se limitam a diagnósticos e a repetir slogans envelhecidos em nome da causa aparentemente unânime da educação, essa tragédia brasileira, Mario Sergio Cortella vai além, toma providências. São décadas, uma vida, trazendo a luz do saber e transmitindo a paixão pelo conhecimento a quem quer que dele se aproxime, generoso e sempre vital. Muito obrigado pela chance da conversa, Professor.
Pedro Bial por Mario Sergio Cortella
Pedro Bial exubera!
Pedro Bial exubera! E isso não é exagero de admirador e animado cúmplice nas trilhas do bom pensar que gostamos de tecer neste livro. É verdade! Pessoa criativa (sem delírios), pessoa perquiridora (adjetivo antigo para quem merece), pessoa bem letrada (sem esnobismo), pessoa crítica (sem autoindulgência e nem impiedade), pessoa acolhedora (sem recusar reciprocidade). Pessoa boa demais, carioca, nascido no mês de março, como eu, mas 4 anos depois, em 1958. Múltiplo na vida e nos ofícios práticos (escritor, cineasta, jornalista), também o é nos ofícios do coração, por ser pai de meninas e meninos, de variadas idades e fontes amorosas. Com a educação básica vinda da densidade de escola jesuítica, também a universidade (PUC-RJ) foi entre esses discípulos de Santo Inácio; contudo, ainda que bastante respeitoso com quem escolhe os caminhos da fé, não é nesta que fundamenta ou ancora suas adesões e recusas. No mundo da comunicação tem presença, faz décadas, na televisão, como repórter e correspondente em inúmeros países, além de testemunha relatora de fatos decisivos na contemporaneidade. Exímio apresentador e, mais recentemente, conversador interessado e interessante, não procura o reducionismo dos conteúdos para poder ser entendido
; quer partilhar ideias e temas que, mesmo complexos, possam produzir indagações e desejos, em vez de supor deficiência cognitiva de quem o assiste. Só faltava, para ficar melhor, ele dirigir e atuar em filmes e documentários, escrever livros e poemas e exercer a cidadania ativa! Como Pedro Bial também faz isso, já ficou melhor!
Sumário
O futuro não é mais como era antigamente
A idealização do passado
Jovens, envelheçam!
Juventude e participação política
A falácia do carpe diem
Velozes e ansiosos
Jovens sem causa
Sem ócio não há negócio
O valor do tempo
Glossário
Notas
Sobre os autores
Outros livros dos autores
Redes sociais
Créditos
N.B. Na edição do texto foram incluídas notas explicativas. Além disso, as palavras em destaque remetem para um glossário ao final do livro, com dados complementares sobre as pessoas citadas.
O futuro não é mais como era antigamente
Pedro Bial – Nós somos um país fundado na saudade. A saudade do português, a saudade do negro – o banzo –, do índio...
Mario Sergio Cortella – ... a saudade do futuro.
Bial – Sim! A gente já nasce com saudade do futuro.
Cortella – Nós somos o único povo do mundo que tem saudade do futuro. Dói na gente o país que vamos ser um dia, aquilo que ainda vai acontecer.
Bial – Somos o país do futuro, vaticinou Stefan Zweig – ele não disse seremos
ou seríamos
, mas sim somos
, uma eterna promessa, irrealizada para sempre, ou realizada psicoticamente, como aliás ficou patente na era lulo-petista, quando se afirmou, sem base no real, que tínhamos chegado ao futuro, nos tornado uma grande nação, que nossos problemas imemorais tinham sido superados, que, bem ao estilo Organizações Tabajara,[1] nossos problemas tinham acabado –, enquanto continuávamos a chafurdar na lama fétida de um país sem saneamento básico. Messianismo instantâneo, em pó, psicótico como o maluco que, querendo ser Napoleão, simplesmente assim se declara: Sou Napoleão
. O resultado? Ponha na conta de Zweig que, aliás, escreveu o livro Brasil, um país do futuro para conseguir o visto de residência com o pai dos pobres
original, Getúlio Vargas. Foi morar em Petrópolis, onde se matou, junto com a mulher. O Brasil carrega, portanto, essa maldição que Zweig pregou na gente.
Cortella – É dele, aliás, a ideia de que nós construiríamos uma outra forma de nação.
Percebo que, quando pensamos na saudade do futuro, essa herança lusitana nossa, quase que ibérica, do dom Sebastião