Viver de cara limpa: Uma escolha
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Book preview
Viver de cara limpa - Ricardo Ribeirinha
Viver de cara limpa
Uma escolha
© Editora Cidade Nova – São Paulo – 2007
Revisão: Ignez Maria Bordin
Projeto gráfico: André Mucheroni e Marcelo Hardt
Fotografias: Joaci Oliveira e Arquivo de Ricardo Ribeirinha
Conversão para Epub: Cláritas Comunicação
ISBN 978-85-7821-121-9
11a Edição
Todos os direitos estão reservados
Editora Cidade Nova
Rua José Ernesto Tozzi, 198
Vargem Grande Paulista – SP – Brasil
CEP 06730-000 – Telefax: (+11) 4158.2252
www.cidadenova.org.br
editoria@cidadenova.org.br
É sempre nas pequenas pedras que tropeçamos,
porque as grandes logo as enxergamos.
(Provérbio japonês)
POR QUE EU ?
O uso de drogas já foi associado à transgressão, à arte, à ousadia. Nos anos de 1960, o consumo de alucinógenos era parte do contexto da revolução sexual e do grito social de vários países do mundo, inclusive na América Latina. Mas ainda pareciam poucos e diferentes aqueles que se aventuravam por essa viagem, sempre envolta numa aura obscura, exótica, artística
e atraente.
No entanto, muitos entraram na corrida desenfreada das drogas. E tantos morreram no percurso.
Trinta anos depois, a diversidade e a disponibilidade das drogas só aumentaram. Se antes o alvo do tráfico eram artistas, intelectuais, roqueiros, agora ele alicia consumidores cada vez mais jovens, de todas as origens sociais. E o faz na porta das escolas, nos jardins de infância, na praça dos bairros da periferia, nos salões de festa, nos points da alta sociedade.
Usar droga é promessa de achar uma saída para qualquer situação, diz a propaganda enganosa, convencendo até os que se acham melhor preparados para a vida. É ter poder para se transformar no super-homem, resolver tudo o que está pendente, salvar a humanidade, ainda que só por um instante, ou enquanto durar o efeito da viagem
. Também é válvula de escape para fugir das dívidas, dos problemas familiares, das ausências ou da invisibilidade.
Quando conheci Ricardo Ribeirinha, ele acabara de completar vinte e sete anos. Ele estava chegando de São Paulo; tinha viajado pelo mundo. E escolhera respirar novos ares. Deixara a capital paulista para viver no interior do Brasil – Palmas, Tocantins. Na nova cidade, um convite o seduziu. Trabalhar como pauteiro¹ numa emissora de televisão. Apesar de ser um sonho antigo, o jornalismo era um caminho completamente novo para Ricardo. Mas ele não rejeitava desafios. E encarou mais um.
Em 15 de julho de 1975, em Taubaté, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, nascia um menino de olhos azuis, branquinho, cara de bebê de capa de revista. Apesar da beleza irradiante e do rosto de anjo, que despertavam o instinto de proteção em quem o visse embrulhado no berçário, ele foi deixado na maternidade pela mãe biológica, que nunca chegou a conhecer.
Dias mais tarde, na capital daquele Estado, o menino ganhou nome e sobrenome: Ricardo Corrêa Ribeirinha. Cresceu na vizinhança da Zona Leste da cidade. Depois, por causa de vários prejuízos financeiros, a família que o tinha adotado, mudou-se para um bairro da periferia, na Zona Sul: Jardim Ângela.
Naquela idade, por volta dos nove anos, brincar de pipa, trocar figurinhas e assistir a desenhos animados com super- -heróis eram pura diversão. Mas aventura mesmo era descobrir coisas novas, fazer amigos, andar de bicicleta na maior velocidade, pelas ruas estreitas do bairro.
Garoto inquieto, de sorriso fácil e conversa boa, conquistava simpatia em todo lugar. Mas um tempo cinzento começou a se firmar no céu da vida de Ricardo. Brigas em casa, rebeldia, notas baixas na escola, desinteresse.
Ricardo, até os nove anos, tinha sido um menino normal
. Apesar de nunca ter conhecido a mãe biológica, sempre recebera tudo de que precisava da mãe do coração, dona Arady, e do pai, Ângelo.
Até que, por conta de uma enchente que destruiu sua casa, a avó materna foi morar com a família. Ela não aceitava o jeito daquele menino travesso e, às vezes, desobediente e respondão. Por isso, brigava com ele, chamava sua atenção. Ricardo não gostava. E continuava retrucando quando a avó o repreendia. Numa tarde, não teve jeito. Cansada de ter sempre a autoridade questionada, ela jogou na cara dele a sua condição de adotado. Até então, Ricardo não sabia que tinha sido abandonado quando bebê.
Começava, assim, um período de revolta com a vida, com a família que o adotara e com a escola, que durou mais de cinco anos. A mesma revolta o levou para a rua e facilitou seu encontro com as drogas.
Na rua, Ricardo encontrou novas companhias. Uma delas, o primeiro cigarro de maconha. Tempo de descobertas…!
É uma regressão dura de fazer. Lembrar como foi o meu primeiro contato com a droga, a estreia de uma viagem cheia de promessas, mas que redundou em muitas tristezas, me angustia. É como se fosse hoje, apesar de já estar perto de completar duas décadas.
Eu e outro garoto nos escondemos em cima de