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Políticas públicas e ações afirmativas
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Políticas públicas e ações afirmativas

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As políticas públicas no Brasil sempre foram implementadas em benefício de uns e prejuízo de outros. Resgatando o passado histórico brasileiro da época do "descobrimento" até os dias recentes, o autor mostra que o Estado brasileiro deixou sistematicamente de lado negros e indígenas na constituição da sociedade democrática. Fonseca fundamenta, assim, a necessidade de ações afirmativas que resgatem a dignidade e a autonomia dos excluídos. Num momento em que nosso país depara com temas polêmicos, como o Estatuto da Igualdade Racial e as cotas em universidades, a Coleção Consciência em Debate pretende discutir assuntos prementes que interessam não somente aos movimentos negros como a todos os brasileiros. Fundamental para educadores, pesquisadores, militantes e estudantes de todos os níveis de ensino. Coordenação de Vera Lúcia Benedito.
LanguagePortuguês
Release dateOct 6, 2013
ISBN9788587478757
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    Políticas públicas e ações afirmativas - Dagoberto José Fonseca

    história.

    1

    Políticas públicas para uns e

    para outros – O Brasil Colônia

    A literatura sobre a descoberta do Brasil tem demonstrado diversas e novas facetas. No entanto, ainda não conferiu ao Estado monárquico luso e aos empreendedores do comércio português o devido reconhecimento nessa descoberta. A chegada de Pedro Álvares Cabral, em abril de 1500, é parte da política estatal portuguesa, não o gesto espontâneo de um homem, de um aventureiro ou de um conquistador que por acaso chegou ao Brasil.

    O ato de aportar as caravelas portuguesas na costa leste da hoje denominada América do Sul já havia sido traçado antes por Portugal, Espanha e o papado, a fim de dar base aos acordos de expansão geopolítica e de conquista territorial no ultramar, particularmente após a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494)². Segundo Barbeiro (1978, p. 27), essa associação existente entre os parceiros ibéricos, os agentes comerciais e a Igreja Católica propiciou várias conquistas territoriais a Portugal.

    A exploração da costa africana e a busca de novos mercados estavam no bojo das preocupações portuguesas nas esferas civil, comercial, estatal e clerical. Nesse contexto, os emissários do rei faziam um serviço de verificação dos mercados e pontos estratégicos, viajando e convivendo, sobretudo, com os árabes (Barbeiro, 1978, p. 27). A estratégia lusa visava a um conhecimento global das rotas comerciais e náuticas. Tanto que a chegada de Vasco da Gama, em 1498, em Calicute (Índia) deu-se pelo trabalho desenvolvido e pelo conhecimento naval de um navegador de origem afro-árabica que tinha profundo conhecimento do Oceano Índico. Vale ressaltar, ainda, que havia milênios as rotas marítimas do Índico eram utilizadas por africanos e asiáticos (Cabaço, 2007).

    Diante da crise comercial entre Ocidente e Oriente, provocada pela conquista de Constantinopla pelos otomanos, em 1453, o Estado português decide contornar a África pelo Oceano Atlântico para chegar até o Índico. À época, Portugal já dominava o comércio na costa ocidental do continente africano.

    Com o aumento dos deslocamentos mais intensos da frota naval (comercial e militar) lusa na Ásia, também se ampliaram as tensões e guerras no Oriente.

    Pannikar (apud Barbeiro 1978, p. 31) informa que o Índico era um oceano calmo e pacífico até a chegada dos portugueses. Os povos à sua volta comerciavam livremente, sem atritos ou guerras. Seus navios não conduziam artilharia e navegava-se em segurança.

    A descoberta do Brasil deu-se nesse contexto de guerras, violência, conquistas, espoliações e crise comercial na relação Europa-Ásia. Tal descoberta fez parte de um processo orquestrado pela Coroa portuguesa a fim de expandir seu território e angariar matérias-primas e especiarias em outras regiões do mundo para negociar na Europa. As grandes navegações e expedições que ocorreram nos séculos XV e XVI constituíram a pedra de toque da geopolítica da Coroa lusa, fazendo que as naus portuguesas alcançassem áreas longínquas nos continentes africano e asiático.

    Baseando-se no que era discutido na chamada Escola de Sagres – que não existiu como instituição, mas lançou as bases da navegação moderna – por mestres e especialistas em navegação, o Estado português (sempre ajudado pela Igreja) financiou a confecção de cartas náuticas e embarcações. Nesse ambiente se formaram navegadores como Vasco da Gama e Cristóvão Colombo.

    Com a expansão das grandes navegações, o homem português foi se vinculando cada vez mais ao mar. Como diria Fernando Pessoa, citando os antigos desbravadores, navegar é preciso, viver não é preciso. Esse homem português não perdeu sua vocação de agricultor, de homem da terra, mas o território português necessitava ser ampliado; era preciso conquistar terras, matérias-primas, mercados e, por que não dizer, prestígio e fortuna.

    Assim, a Coroa portuguesa empreendeu, ao longo do século XV, uma política pública de cunho estatal, contando com a presença de empreendedores judeus, árabes e outros cristãos-novos na conquista do temido Atlântico.

    Essa política também incentivava a sujeição da população nativa que porventura viesse a ser encontrada. Afinal, tratava-se de infiéis e pagãos. A chegada ao Brasil não foi diferente nesse aspecto. Com o passar dos séculos, intensificaram-se a exploração dos indígenas, a expropriação da terra e a extração das riquezas minerais, da fauna e da flora.

    2

    A conquista dos

    nativos e da terra

    Esse branco intruso diz que foi ele

    que descobriu o Brasil.

    Assim que as crianças aprendem

    nas escolas de branco.

    Mas os brancos não descobriram

    o Brasil!

    Os índios já moravam nessa terra!

    Por isso, um índio Kaimbé falou assim,

    na assembleia do povo Xokó:

    — O Brasil não foi descoberto,

    o Brasil foi roubado!

    (Paula, 1984, p. 91)

    Em um primeiro momento, o Brasil não foi prioritário para os interesses comerciais portugueses, visto que a rota do Atlântico Sul, rente à costa africana até as Índias, era mais importante comercialmente. O projeto inicial português não implicou a fundação de residências, o traslado de famílias, o desejo de trabalhar a terra e introduzir um padrão cultural e social nas relações com os nativos.

    Assim, pode-se dizer que não houve no Brasil colonização propriamente dita nas primeiras décadas do século XVI. Aqui aportavam apenas navios militares e de reconhecimento da costa. Os primeiros habitantes estrangeiros não foram oriundos da sociedade civil. Ao contrário, eram religiosos, militares e alguns degredados.

    Dessa forma, a conquista portuguesa no Brasil teve um caráter eminentemente explorador. A própria carta de Pero Vaz de Caminha já chama a atenção do rei D. Manuel I para o modelo de conquista a ser implantado no Brasil, apontando seu duplo perfil: de um lado, a introdução da fé católica; de outro, a extração das riquezas da terra (solo, subsolo, fauna e flora), implicando a expropriação dessa mesma terra e a exploração do nativo. Tal exploração consumou-se, ao longo dos séculos, na relação entre nativos e portugueses, por meio da imposição da cultura lusa em detrimento da do nativo, do genocídio cometido contra os índios e da tentativa de homogeneizar as diferentes nações ameríndias presentes no território brasileiro – circunscrito, naquele momento, ao que estava definido pelo Tratado de Tordesilhas.

    Trinta anos após a descoberta começou a exploração sistemática do território brasileiro propriamente dita, pois a Coroa lusa passou a se preocupar com as invasões estrangeiras, principalmente da França e da Holanda.

    Inicialmente, a exploração do território brasileiro foi efetuada de maneira restrita, voltada apenas para a edificação de algumas feitorias ao longo do litoral, já que a possibilidade de angariar fortuna rápida e fácil estava muito distante daquelas condições – carência de infraestrutura adequada e de mão de obra condizente com a necessidade de extrair o pau-brasil em grande escala.

    O trabalho de derrubada, corte e transporte das árvores e a construção de feitorias foi efetuado pelos nativos mediante o escambo. Os índios recebiam dos portugueses facas, machados, tesouras, espelhos etc. Assim, em um primeiro momento os nativos não foram submetidos ao processo de escravização.

    Após esses contatos irregulares, frágeis, aparentemente com expressão de profunda solidariedade humana, havendo inclusive encontros sexuais entre homens lusos e mulheres indígenas, institui-se o cunhadismo – costume de incorporar estranhos à comunidade oferecendo-lhes uma esposa – e, por conseguinte, a miscigenação etnorracial (Ribeiro, 1995; Freyre, 1987).

    Ampliam-se as trocas materiais e simbólicas entre conquistadores e conquistados, permitindo aos primeiros ganhar a confiança da comunidade nativa, transitar cada vez mais fundo na mata atlântica, conhecer o curso dos rios e fitar o longínquo horizonte da terra a ser conquistada em nome do Rei, ou melhor, em nome do Estado português.

    Essa prática portuguesa, sobejamente utilizada por Vasco da Gama em Moçambique e nas Índias, possibilitou que os portugueses procurassem ouro e outros minérios preciosos, mas, sobretudo, construíssem mecanismos e instrumentos de conquista da terra e do nativo paulatina e constantemente.

    No decorrer do século XVI, o Estado português inaugurou outro momento da conquista do Brasil lançando mão da política de doação de grandes extensões de terra a fidalgos lusos, filhos da baixa e média nobreza e da pequena elite empreendedora lusa, que não herdavam a fortuna e outras honrarias de seus pais. Essa política pública foi adotada a fim de explorar a terra de modo regular e preservar a conquista diante dos interesses de outras nações europeias. Assim o Estado luso constituiu a primeira política social e pública em solo

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