Virando a escola do avesso por meio da avaliação
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Ao discutir a avaliação formativa e suas possibilidades, são apresentadas suas principais formas – como a realizada por colegas, por meio de portfólio, de provas ou ainda de registros reflexivos. Merece destaque no livro a auto-avaliação, pois, devidamente empregada e associada a outros procedimentos, ela tem se mostrado um excelente recurso para o desenvolvimento da capacidade de reflexão e de tomada de decisão.
Assim, a autora espera oferecer subsídios para que os envolvidos se inspirem nessas idéias e as coloquem em prática, adaptando-as a seu contexto de trabalho. - Papirus Editora
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Virando a escola do avesso por meio da avaliação - Benigna Maria de Freitas Villas Boas
avaliação.
1
É PROIBIDO REPETIR, MAS É OBRIGATÓRIO APRENDER
Creio que a minha maior dificuldade é olhar de outra maneira, olhar sem discriminar, olhar sem excluir, olhar e enxergar o que há de bom por trás do que uma pessoa aparenta ser. Mas tenho uma certeza: essa dificuldade só será superada com o exercício a cada dia do olhar diferente, do olhar positivo. O primeiro passo já foi dado, o da reflexão e do pensamento sobre a avaliação. Foi lançada a semente para que os professores de hoje não cometam os mesmos erros dos professores do nosso passado.
Aluna da disciplina avaliação escolar, do curso de Pedagogia da UnB, na síntese conclusiva do seu portfólio, no primeiro semestre letivo de 2007.
A repetência nas escolas brasileiras sempre foi motivo de discussão e de preocupação por parte dos educadores. Muitos artigos foram produzidos. Algumas iniciativas foram postas em prática. Mas o problema continua, e até mesmo se agrava, porque tem aumentado o número de alunos que ingressam nas escolas. Têm sido oferecidos cursos de formação inicial e continuada a um grande número de professores que atuam nos anos iniciais da educação fundamental. Contudo, a escola, de maneira geral, e cada professor, em particular, ainda não desenvolvem o trabalho pedagógico comprometido com a aprendizagem de cada aluno. A reprovação tornou-se normal.
O desafio de erradicação da repetência não é novo. Em meados dos anos 1900 começou-se a discutir a promoção automática como forma de combate à repetência, já que ela vinha sendo usada com sucesso na Inglaterra.
Em um célebre artigo intitulado Repetência ou promoção automática
, apresentado em uma conferência proferida no dia 19 de setembro de 1956, no I Congresso Estadual de Educação, realizado em Ribeirão Preto (SP), Almeida Júnior relatava que, em abril daquele ano, seis educadores brasileiros (ele era um deles) haviam composto uma delegação que tomara parte na Conferência Regional sobre a Educação Gratuita e Obrigatória, promovida pela Unesco e reunida na capital do Peru. Antes de embarcar, essa delegação recebera de Paris um estudo meticuloso, organizado por técnicos da Unesco, sobre as reprovações na escola primária da América Latina. Como sugestão, os autores citavam que na Grã-Bretanha tinham sido abolidas as reprovações no curso primário; na União Sul-Africana, havia recomendação para que os alunos não permanecessem mais de um ano em cada série primária, e que a administração escolar da Unesco, mantenedora de escolas na Palestina, determinara que pelo menos 90% dos alunos de qualquer grau primário fossem sistematicamente promovidos. Os delegados brasileiros, após examinarem o assunto, haviam apresentado a seguinte recomendação:
Procure-se resolver o grave problema da repetência, que constitui importante prejuízo financeiro e subtrai oportunidades educativas a considerável contingente em idade escolar, mediante as seguintes medidas:
a) revisão do sistema de promoções na escola primária, com o fim de torná-lo menos seletivo;
b) estudo, com a participação do pessoal docente primário, de um regime de promoções baseado na idade cronológica dos alunos e em outros aspectos de valor pedagógico, e aplicável, em caráter experimental, aos primeiros graus da escola. (Almeida Júnior 1957, p. 3)
O autor considerava a proposta cautelosa, porque entendia ser necessário preparar o espírito dos professores e obter sua adesão. Além disso, impunha-se criar nas escolas brasileiras as mesmas condições que haviam permitido à Grã-Bretanha implantar a promoção automática. O plenário da Conferência aprovara a proposta do Brasil.
Almeida Júnior (idem, p. 9) relatava que, em 1921, na Conferência Interestadual de Ensino Primário, Oscar Thompson, diretor-geral do Ensino, teria recomendado a promoção em massa
, e Sampaio Dória, em carta a esse educador, publicada no Anuário do Ensino, de 1918, aconselhara o seguinte:
Promover do primeiro para o segundo período todos os alunos que tivessem tido o benefício de um ano escolar, só podendo os atrasados repetir o ano, se não houver candidatos aos lugares que ficariam ocupados. Semelhante medida equivale, explicou o ilustre proponente, a não permitir que se negue matrícula aos novos candidatos, só porque vadios ou anormais, teriam de repetir o ano.
Diferente era o entendimento de Almeida Júnior: nem a simples promoção em massa
, recomendada por Oscar Thompson, nem a expulsão dos reprovados, nem tampouco, só por si, a promoção por idade cronológica
. Segundo ele, esse tipo de promoção adotado pela Grã-Bretanha representava o coroamento natural de um conjunto de medidas prévias
que vinham sendo praticadas e aperfeiçoadas (idem, p. 11). No estado de São Paulo, as seguintes providências deveriam anteceder esse tipo de promoção: aumento da escolaridade primária, cumprimento efetivo da obrigatoriedade escolar, aperfeiçoamento do professor, modificação da vigente concepção de ensino primário, revisão dos programas e dos critérios de promoção.
Encerrando seu pronunciamento na conferência, Almeida Júnior alertava: Sente-se por toda parte não o desejo de cultura, mas a ânsia pelo diploma. O saber pouco importa; o que interessa são os títulos acadêmicos, obtidos por bem ou por mal, de qualquer maneira
(idem, p. 14).
Essa situação de interesse exclusivo pelo diploma está mudando no Brasil. Atualmente, as pessoas têm de demonstrar capacidades e não simplesmente apresentar um diploma. Saber ler e escrever com correção e clareza, argumentar, expor ideias, comunicar-se são algumas das capacidades requeridas.
Em um artigo escrito em 1959, com o título Promoção automática e adequação do currículo ao desenvolvimento do aluno
, Leite analisa o problema da repetência escolar e o sentido da reprovação na escola brasileira. Se a reprovação tem consequências tão desastrosas, como se explica sua aceitação pelas escolas? Essa é a pergunta que o autor apresenta. Ele aponta três razões para que isso aconteça: a escola é tradicionalmente uma instituição seletiva; as classes devem ser homogêneas; acredita-se que o castigo e o prêmio sejam formas de provocar ou acelerar a aprendizagem (p. 17).
O autor defende a introdução da promoção automática, associando-a à adequação do currículo e ao desenvolvimento dos alunos de diferentes idades. Para isso, ele indica as seguintes medidas:
• modificação dos critérios de contagem de pontos para professores primários, que levam em consideração a porcentagem de alunos aprovados em cada classe. Se todos forem aprovados, deixa de existir o mérito de aprovação maior ou menor. Seria necessária a criação de critérios objetivos e capazes de estimular o aperfeiçoamento dos trabalhos didáticos;
• modificação dos métodos de ensino pelos professores, substituindo-se a preleção ou aula pela organização e orientação de tarefas para os grupos de cada classe. Como medida preliminar, possibilitar aos professores sua participação na discussão dessas medidas. ( Idem, p. 33)
Segundo Leite, o programa da promoção automática estará destinado a completo fracasso se os seus executores (professores, diretores, inspetores) não estiverem convencidos de sua necessidade, assim como de suas limitações
(idem, p. 33).
Em um artigo publicado em 1993, Silva e Davis (p. 5) denunciam que,
(...) como nação, perdemos a capacidade de indignação perante um sistema educacional onde os professores não ensinam e as crianças não aprendem. Nossas redes de ensino provocam grandes custos sociais e imensos danos à auto-estima de crianças e jovens que, por várias vezes consecutivas, não logram alcançar promoção para níveis mais avançados de ensino.
Segundo as autoras, o fracasso escolar centra-se na repetência. Ao defenderem a adoção da promoção automática, como combate à repetência, elas afirmam que a polêmica causada por ela escamoteia a realidade, impedindo que se discuta a incapacidade da escola brasileira de abandonar práticas centenárias e virar do avesso sua organização interna, para atender aos interesses das crianças e jovens que a buscam
(idem, p. 7).
O grande mérito do texto é a ênfase dada pelas autoras à necessidade de a escola ter de enfrentar sua reorganização para constituir uma prática diferente. Elas insistem na adoção da promoção automática em todas as séries do ensino fundamental e não apenas no ciclo básico de alfabetização, em funcionamento em escolas de alguns estados na época em que o texto foi escrito. Para as autoras, os estados que já possuíam promoção automática nas séries iniciais deveriam expandi-la às demais o mais rapidamente possível (idem, p. 37).
Silva e Davis entendem que as classes deveriam ser organizadas por faixa etária, sendo imperioso destruir, por completo, a noção de que é possível e eficiente formar classes homogêneas
(ibidem). Segundo elas, essa ideia é falsa porque as crianças nunca são iguais: as informações disponíveis a cada um são distintas, as estratégias de pensamento e ação, bem como os recursos que utilizam na resolução dos problemas do cotidiano, são diferentes
(ibidem).
Finalizando o texto, Silva e Davis (idem, p. 41) afirmam ser urgente aliar a competência do bem ensinar à sabedoria do não reprovar
.
Observa-se que os textos até agora comentados defendem a promoção dos alunos. Se a reprovação e a repetência têm de ser combatidas e eliminadas, é preciso saber o que colocar em seu lugar. Esse substituto é a aprendizagem. Pouco se fala sobre essa necessidade e os meios de alcançá-la. De nada adianta o aluno ser promovido à série seguinte sem ter aprendido. A sabedoria do não reprovar
anunciada por Silva e Davis deve ser entendida como essa substituição da reprovação pela aprendizagem. Temos um longo caminho a percorrer para mudar esse entendimento já arraigado na cultura educacional brasileira, até mesmo nos cursos de formação de educadores. E por falar em aprendizagem, outro avanço necessário é o de considerar não apenas a aprendizagem do aluno, mas também a do professor, que será a garantia da primeira.
Há pelo menos meio século discute-se o problema da repetência escolar e, apesar disso, ele não apenas continua, mas parece agravar-se, porque um número maior de alunos passou a ingressar nas escolas, sem que elas se reorganizassem para bem atendê-los.
Com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2007, o combate à repetência acirrou-se. O Ideb foi implantado em todo o país por meio do decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Esse plano, denominado abreviadamente de Compromisso, segundo o artigo 1º, (...) é a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica
.
O artigo 3º define que
(...) a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no Ideb, calculado e divulgado periodicamente pelo Inep, a partir dos dados sobre o rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) composto pela Aneb (Avaliação Nacional da Educação Básica) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil).
Isso quer dizer que o Ideb combina o tempo que o aluno usa para cumprir cada série com o seu rendimento nos testes da Prova Brasil. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que o Ideb será o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso
.
O decreto aponta 28 diretrizes a serem implementadas pela União, pelos municípios, pelo Distrito Federal e pelos estados. Não é por acaso que a primeira delas estabelece como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir
. As que imediatamente se seguem referem-se:
• à alfabetização de crianças até, no máximo, oito anos de idade;
• ao acompanhamento de cada aluno da rede individualmente, mediante registro da sua frequência e do seu desempenho em avaliações, que devem ser realizadas periodicamente;
• ao combate à repetência, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial;
• ao combate à evasão.
Essas diretrizes dizem respeito diretamente à avaliação. Mas faltou uma: a realização de avaliação do trabalho pedagógico de toda a escola, por ela própria.
Avaliar é necessário. Ter indicadores de avaliação que apontem a situação de cada aluno, de cada escola e de cada município é fundamental. Mas o principal objetivo disso é ter como foco a aprendizagem não somente de alunos, mas também de professores. Por isso é questionável o fato de os primeiros resultados do Ideb terem produzido ranqueamento das escolas, elogiando as primeiras colocadas e desqualificando as últimas. Fico pensando: como se sentiram os professores e demais educadores das escolas de cada município apontadas como as de mais baixo rendimento? Isso lhes servirá para quê? Será que se quer transferir para