Fomos maus alunos
By Gilberto Dimenstein and Rubem Alves
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About this ebook
O tema: a educação. O contraste entre a educação escolar e a educação do cotidiano. Eles são de gerações diferentes, viveram realidades distintas em termos de ambiente, costumes, família, religião. Mas há um importante ponto em comum entre eles: ambos tiveram a experiência da diferença, da rejeição. Ambos quebraram paradigmas e acabaram construindo sua própria educação.
Nessa obra, eles nos convidam não apenas a pensar nossa educação, como também a retomá-la em nossas mãos. - Papirus 7 Mares
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Book preview
Fomos maus alunos - Gilberto Dimenstein
FOMOS MAUS ALUNOS
Gilberto Dimenstein
Rubem Alves
Papirus 7 Mares>>
N.B. As palavras em destaque remetem para um glossário ao final do livro, com dados complementares sobre as pessoas citadas.
Rubem Alves por Gilberto Dimenstein
Vivo dizendo que uma das perguntas mais idiotas que se pode fazer a uma criança é a seguinte: o que você vai ser quando crescer? Supôe, no fundo, que você não é nada enquanto não trabalha, reduzido à suposta inutilidade da infância. Mas se eu pudesse escolher o que gostaria de ser quando crescer (se crescer), seria Rubem Alves.
Rubem é o educador íntegro, tomando a raiz latina da palavra: inteiro. Psicanalista, dedicou-se, com profundidade, à descoberta dos sistemas de aprendizado, investindo contra o senso comum. Mas seus textos têm o requinte da cabeça mais aguçada e do coração mais encharcado de emoções. Por isso não são textos chatos, mas transbordantes de poesia. Para ele, viver e aprender não se separam, são a mesma força.
Rubem, na verdade, é o padrão para os educadores crescerem – se quiserem crescer – porque une o máximo da razão com o máximo da emoção.
Gilberto Dimenstein por Rubem Alves
O BankBoston, uma das maiores organizações financeiras do mundo, por ocasião do 449º aniversário da cidade de São Paulo, em 2003, vestiu-se de arte e fez com que sua elegante agência da avenida Paulista tivesse sua fachada decorada com coloridas pinturas de grafiteiros. Por detrás dessa insólita cooperação que uniu banqueiros e grafiteiros se encontrava Gilberto Dimenstein. Jornalista, escritor, conferencista, ele se define como comunicador
e os muitos prêmios que recebeu o confirmam. Mas um comunicador não é um informador. Informações podem ser estéreis, conhecimento morto, como acontece com a maioria das informações que nos vêm pela mídia. Comunicar é a arte de fazer com que uma ideia tenha vida. Depois de plantada na cabeça de uma pessoa, ela desce para o coração e começa a procriar. Só procriam as ideias que são amadas. E o que elas procriam são novas relações. Por isso acho que a metáfora que melhor sugere o carisma do Gilberto é a imagem da ponte
: ele liga os pontos que ninguém acreditava que pudessem ser ligados tais como banqueiros e grafiteiros...
A expressão visível desse carisma é o seu projeto educacional Aprendiz
, que está realizando aquilo que ninguém pensou que possível fosse: transformar espaços urbanos, ruas, praças, becos, cafés, casas comuns em espaços de aprendizagem, de construção e de arte. Comunicador? Sim. Mas eu preferiria mesmo educador
. Socraticamente, Gilberto Dimenstein se dedica a fazer nascer o potencial de inteligência e vida que mora dentro das pessoas, especialmente aquelas que vivem às margens...
Sumário
TRAVESSIA
A caixa e o brinquedo
Vovô viu a uva
A necessidade faz o sapo pular
O que deu errado?
Experiência de confluência
É melhor fazer sorteio
Presente do futuro
Decifra-me ou te devoro
O prazer da incógnita
Livros por quilo
As peças do quebra-cabeça
O aprendiz há mais tempo
Deimon
Lá vêm os palhaços
O medo da incógnita
Experiências
Eu não sei, estou aprendendo
Aprender errando
Final
Glossário
Sobre os Autores
Outros livros de Rubem Alves
Outros livros de Gilberto Dimenstein
Redes sociais
Créditos
TRAVESSIA
Antes de nos conhecermos pessoalmente, o Gilberto Dimenstein e eu nos tornamos amigos. Nossa amizade aconteceu em torno de uma paixão comum que se manifestou por meio dos nossos escritos. Ambos temos uma curiosidade insaciável pelas coisas da vida, pelos objetos do mundo que nos cerca. É essa curiosidade que nos faz pensar. Pensamos para acalmar essa comichão
nos pensamentos que se chama curiosidade. Nisso nos parecemos com Alberto Caeiro. Ele sentia o mesmo. Tanto assim que escreveu: Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo.[*] A última coisa que se pode sentir diante da eterna novidade do mundo
é tédio. O pensamento é uma criança que explora esta caixa de brinquedos chamada mundo. Pensar é brincar com os pensamentos.
Temos, ao mesmo tempo, um grilo
com as rotinas que se cristalizaram nas escolas tradicionais e que se transformaram em normas. São muitos os que sentem o mesmo. Bruno Bettelheim, já velho, lembrando-se de suas experiências de criança disse que na escola os professores tentavam ensinar-lhe o que ele não queria aprender da forma como eles queriam ensinar. Roland Barthes foi outro a sentir o mesmo. Escreveu um delicioso ensaio sobre a preguiça e declarou que ela, a preguiça, pertence essencialmente às rotinas escolares porque nas escolas os alunos são obrigados a fazer o que não querem fazer e a pensar o que não querem pensar. Ah! Como é doloroso fazer os deveres de casa! Bem diz a palavra que são deveres
! Imposições de uma autoridade estranha. A verdade é que se a criança pudesse ela não faria os deveres. Preferiria fazer outras coisas. Mas o ditado popular afirma: Primeiro a obrigação, depois a devoção. O aluno, sem querer, mas obrigado, arrasta-se sobre o dever que lhe é imposto. O corpo e o pensamento resistem. Essa resistência que faz corpo e pensamento se arrastarem é a preguiça... Mas existirá uma razão por que a obrigação
e a devoção
devem ser inimigas? Quem, que poder, que sujeito determinou que deva ser assim? A curiosidade é a voz do corpo fascinado com o mundo. A curiosidade quer aprender o mundo. A curiosidade jamais tem preguiça! Por amor às crianças – e ao corpo – não seria possível pensar que o nosso dever primeiro seria satisfazer essa curiosidade original, curiosidade que faz com que a aprendizagem do mundo seja um prazer? Ficamos, então, a partir das nossas próprias experiências de aprendizagem, a pensar que deve ser possível uma experiência de aprendizagem baseada na curiosidade e não imposta pelos programas. O fato é que existe um descompasso inevitável entre os programas escolares e a curiosidade. E isso porque os programas são organizações formais e universais de saberes a serem aprendidos numa ordem preestabelecida e num ritmo único. Disse a Adélia Prado: Não quero faca nem queijo; quero é fome. A fome dos alunos, sua curiosidade, não deseja comer o queijo que os programas lhes oferecem. Então, não seria possível uma experiência de aprendizagem baseada na fome? O fracasso das instituições de ensino tem a ver com isso: elas oferecem uma comida que os alunos não querem comer...
Baseados em nossa própria experiência, acreditamos que aprender é muito divertido. Bem disse Aristóteles, na primeira frase da Metafísica, que todos os homens têm, naturalmente, o desejo de aprender. Mas a potência que faz com que todos tenham o desejo de aprender é a curiosidade. Sem ela, ninguém quer aprender. Quem está possuído pela curiosidade não descansa. Não é necessário que se lhe imponham obrigações e deveres porque o prazer é motivação mais forte.
O Gilberto e eu, vivendo em épocas e situações diferentes, tivemos experiências escolares semelhantes. Não nos interessava aquilo que os programas diziam que tínhamos de aprender. Assim, não aprendíamos. Fomos empurrando a escola com a barriga, arrastando-nos, tirando más notas, passando vergonha, possuídos pela preguiça. Ah! A suprema felicidade de quando um professor adoecia e não aparecia para a aula! E a suprema felicidade dos feriados e das férias! A felicidade começava quando a escola terminava! Mas o problema é que havia um acordo tácito no julgamento que se fazia sobre nós, julgamento sobre o qual concordavam pais e escolas. Todos estavam de acordo: éramos maus alunos.
Maus alunos na escola, tínhamos uma enorme voracidade por coisas que não estavam nos programas. Não é que nos faltasse fome. Fome nós tínhamos. O que não tínhamos era fome para comer a gororoba padronizada que se servia nos restaurantes chamados escolas. Daí passamos a fazer nossa própria comida... O que não foi mau...
A ideia partiu do Gilberto: Rubem, por que não nos reunimos para conversar informalmente sobre nossa experiência escolar? Gravamos a conversa e ela poderá se transformar num livro! A ideia me fisgou na hora.
Quando se vai escrever um texto ou um livro acontecem dois processos. O primeiro, fundamental e original, é uma orgia de ideias. As ideias vêm por conta própria, irracionalmente, inexplicavelmente, atropelando, saltando, dançando, numa enorme farra sem ordem alguma. O que o escritor