Verde, amarelo, azul e rosa
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About this ebook
Eu e Rosa estudávamos na Escola de Belas Artes (UFRJ). Éramos colegas de turma e facilmente nos tornamos uma dupla trabalhando no carnaval. Decorávamos as ruas do Rio, o Teatro Municipal, além de trabalhos pontuais em diversas escolas de samba.
O sucesso do vencedor "Bumbum Paticumbum Prugurundum" foi resultado de muito trabalho.
Viramos dias e noites na minha casa, pesquisando em milhares de livros, até chegar ao enredo "Bumbum". Escutamos todos os sambas concorrentes do Império Serrano na sala do presidente Jamil, sempre em particular. Certa vez, o presidente pediu para que déssemos certa atenção ao samba do Beto sem braço. De primeira, reprovamos. Dias depois, ele apareceu com o novo samba. Agora sim, perfeito.
Todo o desfile foi desenvolvido junto. Uma desenhava, a outra também. Depois, misturávamos os dois. A escola não tinha grana, trabalhamos dentro da COMLURB fazendo de tudo. Terminamos o trabalho, de fato, só no dia do desfile.
O edital proibia que pessoas desfilassem nos carros alegóricos. Cumprimos. E como as outras alegorias não podiam ter rodas, fizemos as famosas casinhas.
Rosa é muito culta e criativa. Sempre foi bom dividirmos o trabalho. Nos últimos anos, tenho sempre desfilado ao seu lado.
Estar na Sapucaí, assistindo o brasileiro cantando a nossa brasilidade ao som da bateria, dispara o meu coração. É na realidade, uma aula de história do Brasil.
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Book preview
Verde, amarelo, azul e rosa - Bruno Laurato
DaMatta
Dedicatória
Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma me inspiraram.
Meus pais, Maira Campos Laurato e Cláudio José da Silva, verdadeiros autores deste livro.
Minha irmã, Maria Isadora Laurato, que sempre foi, é e será a coisa mais linda que eu já vi passar.
Aos avós: Solange Campos Laurato, Eunice Leite da Palma, Luiza Cadete, José Cadete e José Fernando Solis da Palma (em memória).
As famílias Palma, Cadete e Laurato.
Em especial: meus tios, Fernando Palma, Katia Cadete, Marcos Veiga, Cassia Cadete, Cristiano Cadete, Cristina Cadete, Fernanda Laurato, Ana Paula de Palma e Adilson Palma. Aos meus primos: Fernanda Palma, Marcella Palma, Matheus Cadete Palma e Lucas Laurato.
Ao meu afilhado, Thomaz Cadete.
A todos meus amigos, companheiros de vida, conversas e sonhos.
Em especial: Alcione Mara de Oliveira, Aline Almeida, Aline Perla, Allan Francisco de Assis, Amanda Silva, Anderson Luiz Felisbino, André de Oliveira, Fabio dos Santos, Fabia Mello Cunha Gaspar, Izabella Pinotti, Jade Nascimento, Jéssika Tamires, Maria Luiza Lemos, Meire Rose Borges, Verônica de Sousa Américo e Viviane Pereira
Agradecimentos
A Rosa Magalhães, pelas notas máximas que seus enredos me proporcionaram. Além do apoio inteiro durante o decorrer deste trabalho.
Fábio Fabato, pela disponibilidade e boa vontade durante todo o projeto.
Milton Cunha, pela valiosa conversa sobre a genialidade da professora.
Fabio de Mello, coreógrafo das mais belas comissões que já passaram pela avenida.
Wigder Frota, responsável pelas valiosas imagens que ilustram esse trabalho.
Licia Lacerda, pela receptividade e generosidade em contar sobre sua experiência ao lado de Rosa.
Professor Dr. Luis Henrique Marques, paciente orientador e revisor deste livro.
Professora Josefa Rodrigues e Rute Mendes, que me despertaram o interesse pela história do Brasil.
Aline Perla, insistente incentivadora.
Rosa Magalhães,
o encontro marcado do Brasil essencial com ele próprio
Rosa Magalhães é um monumento civilizatório do Brasil grande forjado em misturas infindas, e não representa exagero afirmá-la assim. O povo do país adolescente metido a gigante, este com tantos desvios históricos de valores e caráter - oligarca per se -, encontrou nas escolas de samba uma espécie de divã histórico-social para esticar suas pernas e processar questões nevrálgicas de formação, seguindo resto de ano adentro. E encontrou em cucas deslumbrantes e enormes, como a de Rosa, a estrada de tijolos amarelos para manifestar o seu inconsciente coletivo, naturalmente borbulhante de tudo.
Ou seja, com os saberes negados pela educação formal, tratou de ir atrás de um jeito para compreender os sabores, amores, dores e olores desse Pindorama que nos pariu. E fez-se então o carnaval, a glória coletiva da multiarte, a saída através da festa para rirmos de nossas vergonhas e absorvermos em canto, dança e visual aquilo que de forma proposital não nos contam no colégio.
A despeito da robusta formação erudita, Rosa entende mesmo é de povo, faz-se ressonância constante para tambores de diferentes ritmos, raças, credos. E por isso, na esteira dos enredos que levou para a folia, possibilitou, por exemplo, que muitos poetas que sequer completaram os estudos pudessem abastecer de conhecimento e sensibilidade certos letrados de canudos enrolados nas melhores universidades.
Eis a mágica do samba, da ideia transformada em canto palatável, das inversões, da troca de papéis que subverte a história utilizando-se justamente desta por catapulta, a beleza da inexistência de maniqueísmos quaisquer. Rosa não crê em verdades únicas ou secretas, mas em diálogos históricos constantes, em congraçamento, em ancestralidade. Sabe bem que o cortejo folião de todo fevereiro-março tem perfume de procissão portuguesa-católica beijando a boca de percussões de origem africana (enlace sem preconceito, pois) e que é ainda indianista, tropicalista... Ah... E o que mais couber no sarapatel de referências próprio da tela de asfalto em branco.
Embalada desde menina pelas histórias fantásticas de sua mãe, pelas viagens que lembra com brilhos nos olhos ao lado do pai - um homem da ABL (Academia Brasileira de Letras), mas também fundamentado em alma popular - a artista com nome de flor acredita na arte não como mero perfume, e, sim, pimenta ardente que alicerça os debates da sociedade. E crê no carnaval, a arte elevada a imensuráveis potências, na função de discurso, não mero fandango.
Que o Brasil siga se descobrindo e se redescobrindo pela lupa inquieta, brejeira e poderosa de Rosa Magalhães em carnavais a perder de vista. Ela, sabemos bem, investiga, instiga e não teme revelar o que está debaixo dos panos. Mas, acima de tudo, consagrou-se como um grito emocionado de celebração ao cruzamento de referências que forma esta riqueza toda aqui debaixo do Equador.
Rosinha é o essencial que impressiona os olhos, só que ainda maior da ordem do invisível sensorial: o arrepio na pele do Brasil que se encontra todo ano com ele mesmo, dois meses antes da data de seu Descobrimento
.
Selo com um beijo, nada mais.
Fábio Fabato é jornalista, escritor e comentarista de carnaval.
1
"Bumbum Paticumbum
Prugurundum"
Império Serrano - 1982
"Sérgio Cabral - Vocês do Estácio tinham consciência de que estavam lançando um novo tipo de samba?
Ismael Silva - É que, quando comecei o samba da época, não dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, conforme a gente vê hoje em dia. O estilo não dava para andar. Eu comecei a notar que havia essa coisa. O samba era assim tantantantantantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar na rua assim? Ai, a gente começou a fazer um samba assim: bumbum paticumbum prugurundum.
Ismael Silva refere-se à mudança fundamental que os sambistas do lendário bairro do Estácio de Sá introduziram no samba carioca, na década de 1920.Foram eles que libertaram definitivamente o samba da influência do maxixe, inaugurando o samba na forma em que é hoje internacionalmente conhecido."
(*entrevista que Ismael Silva (1905 - 1978), um dos fundadores da primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, deu ao jornalista Sérgio Cabral e que está transcrita no livro de sua autoria As Escolas de Samba - o que, quem, como, quando e por que)
Não é novidade que as escolas de samba, como se vê hoje, tiveram sua origem nos desfiles das classes mais populares da sociedade. Que festejavam o carnaval pelas ruas do Rio de Janeiro com brincadeiras, danças e algazarras - os chamados entrudos
- já que os bailes de máscaras que enchiam os luxuosos salões da cidade eram voltados apenas para a alta sociedade carioca
. Essas classes mais populares concentravam-se na Praça Onze, no centro do Rio de Janeiro. Por lá, estavam as tias baianas - Salve, tia Ciata!- que abriam suas casas para o samba e o candomblé, ambos proibidos na época. O samba era considerado coisa de malandro
e, quem o fizesse, poderia acabar preso. De qualquer forma, como todo bom brasileiro, os sambistas davam o seu jeitinho
e permaneciam, mesmo que sob censura, fazendo festa na Praça Onze. O berço do samba e das escolas de samba do Brasil.
Com o passar do tempo, blocos e cordões foram surgindo. Descendo dos morros para fazer seu carnaval. Alguns destes acabaram crescendo e se estabelecendo como escolas de samba, como, por exemplo, a Estação Primeira de Mangueira, do mestre Cartola, que se originou do Bloco dos Arengueiros. Assim como no futebol, a competitividade - característica típica do brasileiro - logo despontou no mundo do samba e os blocos passaram a organizar entre si concursos para classificar o melhor desfile do ano. O que trouxe boa visibilidade às escolas, já que a imprensa passou a noticiar aquelas disputas, além dos ensaios e outros eventos das agremiações. Com isso, as entidades carnavalescas passaram a ser visitadas por uma parcela diferente da população já habitual: a população leitora do Rio de Janeiro que, talvez por certa dose de preconceito, ainda não tivera tido contato antes com o samba. Ou seja, outros segmentos da sociedade perceberam nas escolas de samba, lugar de diversão e encontro e não mais espaço da vadiagem.
O palco principal da festa – antes, a Praça Onze – tornou-se a Avenida Presidente Vargas. O público se aglomerava nas calçadas (com direito a cadeira de praia, guarda-sol e claro, uma quentinha), para prestigiar os desfiles que, a cada ano, superava o ano anterior e inovava mais, com espetáculos cada vez maiores. Logo, percebendo todo o crescimento do evento, a prefeitura começou a investir na infraestrutura e na institucionalização da festa. Foram construídas, então, arquibancadas, iluminações especiais e