Viagem ao Araguaia
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Traça seu roteiro inicial do Rio de Janeiro a Goiás, cujo trajeto é uma lição de amor ao território, pleno de ensinamentos e de afirmações históricas, compreendendo desde aquela época que "o pastor, ou vaqueiro, tem na caça, na pesca e no gado, o necessário para a vida" , demonstrando que os habitantes das terras dos goyazes tinham aquilo que historiadores anos depois defenderam: auto suficiência de produção, ou como destacou Paulo Bertran, uma economia de abastância. Couto Magalhães afirma com todas as letras que as viagens pela Estrada de Ferro eram monótonas, como forma de defender ainda mais sua ideia quase fixa de navegação pelo Araguaia e Tocantins.
Sugeria mudar a Capital para Leopoldina uma vez que esta estava às margens do Araguaia e evocava Saint-Hilaire e Pohl, viajantes estrangeiros que descreveram Goiás, para justificar a inoperância do desenvolvimento de nossa Província. Criticava ferozmente a postura de alguns proprietários de terras de Goiás por não deixar prosperar a mudança da capital e defende a topografia de Leopoldina em liga-la, futuramente, à foz do Amazonas e do Rio da Prata. Argumentos de um ser apaixonado por uma ideia obsessiva. Em 18 de fevereiro de 1864, a Marinha, sob estes argumentos descritos por Couto Magalhães emite sinais de que o Projeto de Navegação Fluvial pelo Araguaia e Tocantins era viável e seria estudado. A História, porém, tinha outros planos.
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Book preview
Viagem ao Araguaia - Couto de Magalhães
Antonio Almeida
(organizador)
General Couto de Magalhães
Goiânia – Go
Kelps, 2018
Copyright © 2016 by Couto de Magalhães.
Editora Kelps
Rua 19 nº 100 – St. Marechal Rondon
CEP 74.560-460 – Goiânia-GO
Fone: (62) 3211-1616
Fax: (62) 3211-1075
E-mail: kelps@kelps.com.br
homepage: www.kelps.com.br
Antonio Almeida
Editor
Apoio Cultural
Ibraceds
CIP – Brasil – Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA PÚBLICA ESTADUAL PIO VARGAS
Magalhães Couto de.
Viagem ao Araguaia. Couto de Magalhães. – Goiânia: Kelps, 2016. 308 p.: il.
ISBN: 978-85-400-2617-9
1. Literatura brasileira. 2. Descrições de viagens. I. Titulo
CDU: 910.4(480)
DIREITOS RESERVADOS
É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do editor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2016
Viagem ao Araguaia
Marconi Perillo*
Um livro imprescindível volta a ser lançado pela Editora Kelps, Viagem ao Araguaia de Couto Magalhães, cuja primeira edição se deu em 1863 através de Folhetos de O Federalista e uma segunda edição em 1889, em plena ascensão da Primeira República. José Vieira Couto de Magalhães, ou General Couto Magalhães, era mineiro de Diamantina onde nasceu em 1837 e cursou seus estudos jurídicos em São Paulo onde, em 1863 cursou seu Doutorado na área. Presidiu Goiás de 1862 a 1863, com apenas 24 anos de idade, onde se tornou um ardoroso defensor da navegação pelo Araguaia e Tocantins. Foi Presidente da Província do Pará de 1864 a 1865, lutou, a chamado do Governo com prerrogativas especiais na luta de libertação da Província do Mato Grosso contra os Paraguaios, tendo o título de general em Chefe. Foi Presidente da Província de Mato Grosso até 1867. Após tudo isso fez estudos científicos na Inglaterra, por quatro anos, e retornou a São Paulo onde exerceu inúmeras funções em Sociedades como a de Imigração, da qual foi sócio fundador. Destaca-se que, por conta de seus ideais para com o Império, mesmo convidado pelos líderes a republicanos a governar São Paulo após a Proclamação, recusou por plena coerência ideológica.
Viajante incurável e explorador por excelência, Couto Magalhães nos revela nesta obra, esgotada por longos e incompreensíveis anos, sua paixão inconteste pelo nosso Rio Araguaia. Traça seu roteiro inicial do Rio de Janeiro a Goiás, cujo trajeto é uma lição de amor ao território, pleno de ensinamentos e de afirmações históricas, compreendendo desde aquela época que o pastor, ou vaqueiro, tem na caça, na pesca e no gado, o necessário para a vida
, demonstrando que os habitantes das terras dos goyazes tinham aquilo que historiadores anos depois defenderam: auto suficiência de produção, ou como destacou Paulo Bertran, uma economia de abastância. Couto Magalhães afirma com todas as letras que as viagens pela Estrada de Ferro eram monótonas, como forma de defender ainda mais sua ideia quase fixa de navegação pelo Araguaia e Tocantins.
Este livro, ora relançado é, porém, muito mais que uma epopeia pelas margens do Araguaia com o fixo propósito de enumerar as diversas possibilidades de navegação fluvial. É um atestado de devoção a uma região, um tributo a natureza, um testamento de amor ao Rio Araguaia, sua natureza exuberante, seus habitantes, suas potencialidades. Este homem que apreciava o cateretê e o cururu, adorava caçar e pescar, iniciou a navegação a vapor pelo Araguaia saindo do Rio de Janeiro para Petrópolis,depois Barbacena, passando por Minas Gerais, atravessando o Parnaíba e o Paraopeba, chegando a Catalão, onde encontra o escritor Bernardo Guimarães. Segue até Bonfim pra chegar em Goiás, por mais de 300 léguas, num roteiro diferente do que seguiu o velho Anhanguera. Ficou impressionado com as riquezas das Gerais, onde vaticinou que seria uma das regiões mais ricas do mundo, descrevendo a extração do ferro, do ouro e dos diamantes.
Couto de Magalhães era, por essência, um cronista. Olhar apurado, conhecedor de terras, montanhas, riquezas naturais, bichos e gente, descrevia com o olhar apaixonado dos jovens tudo aquilo que lhe causava emoção e exarava potencialidades. Foi com este olhar que vislumbrou o Araguaia. Ao passar pelo sertão do Rio São Francisco observou que, entre o Rio das Velhas e o Paranaíba, a região era apropriada para a criação de gado e muares e que a maior praga da região era a briga entre vizinhos pelos limites das terras. Detectou de passagem que era uma excelente região para a caça e a pesca e que numa jogada de rede recolheu 800 peixes grandes, o que dava para sustentar 400 homens,. Com certeza, para a época, não era história de pescador.
Viajando por todo um sertão ainda inóspito, Couto Magalhães destacava que o maior inimigo, o mais terrível que enfrentou não eram as onças, os jacarés nem a natureza selvagem, mas sim os mosquitos. Isso sem ainda nem ter chegado ao nosso Araguaia. Não deixa de lamentar a extinção de alguns peixes e animais pela caça indiscriminada já naquele tempo, onde tudo parecia suprir mais do que faltar. Talvez tenha sido um dos pioneiros da ecologia do Séc. XIX. Couto Magalhães não perdia uma chance de demonstrar sua preocupação com a preservação ambiental.
Travava uma luta paradoxal com os trilhos da Estrada de Ferro. Por um lado afirmava que a Estrada de Ferro era o elemento limitador da atenção dos Governos para com a Navegação Fluvial, por outro, afirmava que, minha opinião hoje, com respeito a essa navegação, é que ela nunca será cousa regular, enquanto a estrada de ferro da Companhia Mogyana não chegar às águas do Araguaia
. O Rio dos seus sonhos oferecia, segundo seus cálculos, 700 léguas para a navegação. A empreitada, porém, necessitava, segundo Couto Magalhães, de diversas etapas, entre elas a mudança da capital da cidade de Goiás para as margens de Leopoldina na beira do Araguaia. Argumentava que Goiás, com a decadência do ouro, entrou em ruínas e que não havia ao seu redor três condições básicas para ser uma sede de governo: higiênicas, comerciais e administrativas. Suas argumentações eram mais para defender a navegação pelo Araguaia do que propriamente para atacar Goiás.
Traz-nos reflexões econômicas do quanto geraria, em diminuição de gastos, o transporte pela navegação fluvial feita no lugar da costumeira tropa de bestas, onde os gastos com a produção diminuiria, os produtos seriam diversificados e estimularia a exportação, abrindo caminho para uma futura indústria agrícola. Numa breve comparação de custos entre os dois tipos de transportes, detecta uma diferença de 300% a mais no transporte entre o Rio de Janeiro a Goiás comparado com o transporte do Pará a Goiás. Sem dúvida, Couto de Magalhães tinha todas as razões econômicas e outras para defender a navegação pelo Araguaia e Tocantins, bem como a também sonhada pelo sul entre Leopoldina ao Rio Grande e, num futuro próximo, até o Taquari e deste ao Oceano.
Ao iniciar seu trajeto pelo Araguaia, Couto Magalhães descreve todo o conjunto possível da natureza com muita riqueza de detalhes e boas pinceladas de erudição. O foco principal de tudo, porém, é a defesa intransigente da navegação fluvial. O exemplo inicial começa pelo Rio dos Peixes. Couto era poético no vislumbre da natureza e não deixava passar um momento para legar ensinamentos. Por ele soubemos que Paranaíba significava Rio Ruim ou Pestivo e Paraopeba era Rio Raso ou que as lagoas se distinguem dos lagos por estes serem formados por rios e os outros por águas da chuva. Ensinamentos que, para um lugar como o sertão de Goiás, desconhecido ainda de Guimarães Rosa ou Carmo Bernardes, todos os ensinamentos eram pioneiros.
A viagem prosseguia de Leopoldina ao Porto de Piedade, onde Couto observava que esta artéria de civilização não levou ainda vida ao corpo onde ela corre
e, deslumbrante, ao ver o Araguaia: de todos os rios que tenho visto, nenhum oferece nem de longe a majestade do Araguaia
. Encantava-se com a abundância de caça e pesca e temia, por medo dos viajantes ao passar pelo Dumbá Grande, adentrar ao sertão mas refletia sobre seu intento maior: o rio durante este dia correu largo e suficientemente profundo para dar lugar franca e desimpedida navegação de nosso bote; não existe uma só volta rápida e nem os canais são estreitos a ponto de impedir a navegação a vapor ou a vela
. Sentenciava!
Da natureza Couto destacava a plêiade de jacarés, botos, ovos de tartaruga, patos, marrecos, garças e frango d´água como alimentos abundantes. O frio, segundo ele que estava em final de ano, era intenso a noite. O velho Araguaia, guarda, então, até hoje, algumas características da época como o frio noturno e a legião de mosquitos.
Descreve nos a cultura e os costumes dos xavantes, canoeiros e carajás, através de seus aspectos físicos, belezas e feiuras, segundo suas concepções e como o noivo devia proceder no casamento carregando uma tora de madeira pesada sem deixar cair. Tudo isso no trajeto de Piedade à Aldeia da Estiva em seu roteiro pelo Araguaia onde , em cada lugar, o deslumbre sobre o Rio, suas matas e margens, suas belezas naturais, era imenso. Subindo o Rio advogava a ideia de fundar uma cidade às margens do Araguaia para dar apoio aos viajante no futuro. Ali descreve o sofrimento com os mosquitos e testa a navegação a vela, meio trôpega por sinal, mas os inúmeros pássaros que vislumbra e o luar magnífico que descreve o reanima e o faz filosofar sobre a felicidade.
A descida do Rio é feita em meio a cantigas saudosas que fizeram Couto lembrar de sua infância e nos conta que a Inhuma era disputada pelos companheiros de viagem pela crença de que seus ossos tinham poderes de proteção. Verdadeiros talismãs. Cético, afirmava: este e muitos erros grosseiros, com os quais os viajantes estrangeiros compõem novelas a nosso respeito, pintando- nos como uma nação semibárbara e estúpida, não existiriam se nosso clero tratasse da educação moral das ovelhas com mais cuidado que o existente hoje
.
Havia o temor de ataques indígenas e também dos calungas ao adentrar o sertão no trajeto de Dumbá a Leopoldina, onde avistou um jacaré de 25 metros e observou que os segundos barrancos do Araguaia eram frutos das enchentes que, de 14 em 14 anos, faziam um barranco a mais nas margens. Após nos descrever a viagem de Álvaro Rodrigues Bueno pelo Araguaia em 1854, faz seu retorno a Goiás em fins de outubro como alguém que nunca gostaria de ter deixado o lugar de onde estava. Sua tristeza aumenta ao saber da morte do ainda jovem amigo José Rodrigues Jardim, líder político da cidade de Goiás.
Por fim nos dá dicas de como faria a divisão das zonas entre a cidade de Goiás e o Araguaia , partindo até a Serra do Acaba Saco, lugar assim chamado por ter sido o local onde as provisões de Bartolomeu Bueno acabaram – ficavam dentro de sacos, e, desta, até à Serra do Lambari e daí ao Araguaia. Receita como o Governo devia implementar suas bases para propiciar a navegação pelo Araguaia. Destaca que o Governo deveria unir o litoral ao centro do país ao invés de uni-lo ao litoral. Talvez, sem querer, legava-nos as bases para a marcha para o oeste que viria com Vargas anos futuros. Sugeria mudar a Capital para Leopoldina uma vez que esta estava às margens do Araguaia e evocava Saint-Hilaire e Pohl, viajantes estrangeiros que descreveram Goiás, para justificar a inoperância do desenvolvimento de nossa Província. Criticava ferozmente a postura de alguns proprietários de terras de Goiás por não deixar prosperar a mudança da capital e defende a topografia de Leopoldina em liga-la, futuramente, à foz do Amazonas e do Rio da Prata. Argumentos de um ser apaixonado por uma ideia obsessiva. Em 18 de fevereiro de 1864, a Marinha, sob estes argumentos descritos por Couto Magalhães emite sinais de que o Projeto de Navegação Fluvial pelo Araguaia e Tocantins era viável e seria estudado. A História, porém, tinha outros planos.
Marconi Ferreira Perillo Jr.
Governador de Goiás
SUMÁRIO
Viagem ao Araguaia
General Couto de Magalhães
Prefácio da 2ª edição
DO RIO A GOIÁS
Do Rio a Goiás
PREFÁCIO DO GENERAL COUTO DE MAGALHÃES
Parte I - Considerações administrativas sobre o futuro de Goiás
Capítulo I - MUDANÇA DA CAPITAL
Capítulo II - O Araguaia debaixo do ponto de vista comercial
Capítulo I
DE GOIÁS A SANTA RITA
Parte II
Descrição da viagem
Capítulo II
DE SANTA RITA A LEOPOLDINA
Capítulo III
DE LEOPOLDINA AO PORTO DA PIEDADE
§ 2º — Presídio de Santa Leopoldina — Sua fundação — Descrição do presídio — Passeio no rio Araguaia — Lago Dumbá-pequeno — Ariranhas — Pesca de noite — Pouso na praia — Volta. 140
Capítulo IV
DA PIEDADE À ALDEIA DA ESTIVA
Capítulo V
SUBIDA DO RIO
Capítulo VI
DO DUMBÁ A LEOPOLDINA
Capítulo VII
Notícias sobre o Araguaia, de Leopoldina até a cachoeira dos Pacus, no Caiapó-grande. — Assinalamento dos serviços mais ricos de diamantes naquele rio, no CaiapOzinho e rio Claro
Capítulo VIII
VIAGEM AOS ARAÉS
Capítulo IX
VOLTA A GOIÁS
Capítulo X
CONCLUSÃO
Dialetos dos XAVANTES, XERENTES, CARAJÁS E CAIAPÓS
GLOSSÁRIO
DESCOBRIMENTO DOS MARTÍRIOS
Memória a respeito do descobrimento dos Martírios
General Couto de Magalhães
A província de Minas Gerais tem sido o berço de grande número de brasileiros ilustres, nos diversos ramos do saber humano: ciências, letras e artes são cultivadas com muito amor e proveito pelos mineiros, desde os tempos coloniais do Brasil. Entre os varões notáveis dessa província, destaca-se a fisionomia original e distinta do Dr. José Vieira Couto de Magalhães, que acaba de completar 50 anos. Nasceu ele a 1 de novembro de 1837, na cidade de Diamantina, tendo por pai o Capitão Antônio Carlos de Magalhães e por mãe D. Thereza do Prado Vieira Couto.
É de origem paulista a família do general Couto de Magalhães, pois na linha direta de seus ascendentes conta o nome do Mestre de Campo1 Thomé Antunes do Couto, que foi enviado de Portugal em comissão científica e militar para esta província. Aqui estabeleceu-se, constituiu família e, só mais tarde, no desempenho de seu cargo na demarcação de terras, passou-se para a província de Minas Gerais.
Foi Thomé do Couto avô do naturalista brasileiro José Vieira Couto que tornou seu nome conhecido e considerado entre os sábios europeus da sua época2.
A lei da hereditariedade das aptidões intelectuais, e predileções científicas e sociais, tem mais uma confirmação na individualidade do general Couto de Magalhães. O gosto decidido que tem pelas viagens e explorações, herdou dos seus antepassados, o grande navegante português Magalhães, assim como o amor pelo estudo das ciências astronômicas e naturais recebeu de ponto mais próximo, qual o seu avô, Dr. José Vieira Couto. Para São Paulo, veio o jovem Couto de Magalhães concluir seus estudos preparatórios, matriculou-se no curso jurídico, completou o tirocínio acadêmico em 1859 e defendeu teses para doutoramento em 1860.
Ao tempo que estudava as matérias da Academia, ocupava-se também com as letras e conquistou o nome de bom literato entre os colegas. Na imprensa, apareceu frequentemente, sempre com brilho; e o volume que publicou em 1860 — "Os Guaianazes" — confirmou a reputação adquirida. Demos a palavra a ele próprio, para os traços da sua vida acadêmica e a carta prólogo dirigida a seu amigo, o Conselheiro Homem de Melo.
Esse pequeno conto (‘Os Guaianazes’) é, como tudo o que tenho escrito, feito aos trambolhões e às carreiras. Lembras-te ainda daquele nosso bom tempo de saudosa memória da rua da Forca? Formávamos um grupo engraçado e cômico, sobretudo quando nos reuníamos na sala de jantar. O Ferreira Dias palpitava de entusiasmo lendo o Lamartine, V. estudava história pátria como um fanático, gesticulava repetindo os enérgicos discursos fervorosos da época da independência; eu passeava de um lado para o outro, com uma gravidade tudesca, estudando o alemão. Éramos três entusiastas fardados diversamente. Nossa vida era então um agitar constante: ora escrevíamos artigos de política, ora discutíamos, ora corríamos apressados para as aulas, passeávamos, fazíamos ginástica, jogávamos espada, líamos poesias, exercitávamo-nos na conversação francesa... era um constante agitar. Pois bem, assim como foi a nossa vida de calouros, continuou a minha, com a diferença — a confusão e o labirinto não já eram tão alegres, mas eram sempre — tantos ou mais não complicados.
Foi no meio desse remoinhar que eu escrevi o opúsculo intitulado Destino das Letras no Brasil, que escrevi os Traços biográficos sobre os poetas acadêmicos e outras coisas que estão inéditas. Nas férias de 1858 e 1859, deu-me a veneta de escrever romances. Eu estudava então o português e assentei de escrever um pequeno ensaio em estilo quinhentista — foi o conto O estudante e os monges
, que publiquei na Revista Acadêmica; concluí aquele original tipo que havia começado quando morávamos juntos, isto é, o Dr. Calmirú, e escrevi o que agora publico.
Despretensioso, é, contudo, o conto aludido, um trabalho de merecimento; pena é que o autor não produzisse nesse sentido outros escritos, e seguisse outra vereda na vida.
Cedo começou o Dr. José Vieira Couto de Magalhães a carreira pública; logo depois de formado, em 1860, foi, como secretário da província de Minas, auxiliar a administração do Conselheiro Vicente Pires da Mota. Desde então, revelou as qualidades e tino que assinalaram sua passagem em outras províncias como presidente, que foi da de Goiás, de 1862 a 1863; e da do Pará, de 1864 a 1865.
Em 1863, foi nomeado presidente de Minas Gerais, mas não tomou posse do lugar.
Em 1865, quando os paraguaios assolavam a província de Mato Grosso, e era difícil a empresa de administrá-la, o governo lembrou-se em boa hora do Dr. José Vieira Couto de Magalhães, que aceitou a patriótica missão de libertar o solo pátrio da invasão inimiga. Nomeado com poderes especiais, além das prerrogativas de presidente, tinha a autoridade de general em chefe, e de presidente, da junta suprema militar de justiça. E com tal energia, atividade e acerto se houve que conseguiu organizar as forças, criando o batalhão de voluntários, bater o inimigo, e dar a paz à província de Mato Grosso que ainda hoje recorda com gratidão os benefícios de sua administração. Deu disso testemunho a Câmara Municipal de Cuiabá, que mandou gravar o retrato do benemérito brasileiro, com uma legenda que comemora seus feitos, para adornar a sala onde celebra suas sessões. Além da guerra, teve que lutar a administração do general Couto de Magalhães com a terrível epidemia de varíola que causou tanto mal como quase a invasão paraguaia, e arcar com fome, sócia inseparável daqueles males. Até 1867, permaneceu na presidência de Mato Grosso e pode-se afirmar que não poupou nem esforço pessoal, nem recurso que pudesse criar pela sua posição oficial, para socorrer a população flagelada. No meio de tanta perturbação, a têmpera rígida e a calma do general Couto de Magalhães foram sempre inalteráveis; atendeu outros ramos de administração e, tanto quanto possível, deixou em boas condições a província de Mato Grosso.
A sua vida política ainda conta as deputações por Goiás e Mato Grosso, em diversas legislaturas; e mais longa seria, se não tivesse ele tido contrariedade em 1870, época em que procurou dirigir sua atividade para outras questões.
A fisionomia industrial e financeira acentuou-se; o general Couto de Magalhães mostrou a mesma inteligência e energia na organização de várias empresas, que desenvolvera na alta administração política ou na dedicação estudiosa de um assunto científico ou literário.
As navegações dos rios Araguaia, Marajó e Tocantins exprimem uma soma enorme de esforços e de lutas que teriam feito sucumbir qualquer outro de têmpera menos rija. Conseguiu o Dr. Couto de Magalhães ver o sucesso de todas essas empresas e mais a da navegação do Amazonas até Maués.
Uma vez lançado no campo industrial, não parou sua ambição e, nesse gênero, a obra de maior vulto é a atual Minas and Rio Railway Cia., vulgarmente conhecida por Estrada de Ferro do Rio Verde.
Longos anos de trabalho assíduo, de decepções e despesas, empregou o general Couto de Magalhães para organizar a companhia e obter os capitães necessários para a primeira linha férrea do Sul de Minas.
Não é aqui o lugar próprio para discutir as vantagens econômicas dessa linha; mas é forçoso confessar que, se não fosse sua pertinácia, ainda hoje seriam quase inacessíveis as estações de Caxambu, Contendas e Lambari, de sorte que a humanidade sofredora só com muita dificuldade poderia aproveitar os recursos enormes dessas benéficas águas medicinais.
Se no Brasil houvesse opinião pública, a população sul-mineira deveria ter o general Couto de Magalhães como seu representante efetivo no parlamento nacional; nada mais faria do que pagar-lhe uma dívida de gratidão.
Pode-se dizer que a linha do rio Verde abriu caminho fácil para a civilização e o progresso peneirarem na zona sul-mineira.
Não descansou, porém, o general Couto de Magalhães: voltando da Europa, onde dedicou-se a sérios estudos científicos na Inglaterra, fixou residência nesta cidade, onde tem prestado relevantes serviços à causa pública e, especialmente, ao desenvolvimento paulista.
Foi sócio fundador e presidente efetivo da Sociedade de Imigração de São Paulo durante um ano. Nesse período, a vida da associação foi gloriosa, e de tal maneira procedeu que chamou a atenção do País, e iniciou muitas ideias que foram levadas ao terreno da prática ou ao seio do parlamento. Infelizmente, o estado de sua saúde não o permitiu continuar na presidência e, com sua retirada, extinguiu-se, por assim dizer, a vida da sociedade.
Como membro da comissão organizadora do plano de estudos para o Instituto Comemorativo do Ypiranga, consta-nos que tem também o general Couto de Magalhães contribuído com valioso contingente e tem delineado um bom plano de estudos científicos e práticos para serem ali executados.
Ultimamente, ainda presenciaram todos o modo enérgico e digno com que se houve na questão da Estrada de Ferro do Norte, conseguindo levantar o crédito dessa empresa pelas medidas acertadas que propôs e foram aceitas pela assembleia geral de acionistas, a despeito da guerra que lhe moveram interesses particulares.
A feição, porém, que nos é mais simpática é a do escritor nacional que traçou dois trabalhos preciosos: a memória sobre a Revolução de Minas em 1720 e a Execução de Felippe dos Santos
e seu livro O Selvagem. Naquela, o distinto historiador arranca do esquecimento e liberta do anátema da história oficial um dos mais interessantes episódios de nosso passado e assinala o primeiro movimento revolucionário e a origem de nossa independência política.
Infelizmente, é O Selvagem menos conhecido