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Movimento humano: incursões na educação e na cultura
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Ebook358 pages3 hours

Movimento humano: incursões na educação e na cultura

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O movimento humano é compreendido neste livro pela diversidade cultural e em uma perspectiva educacional. A pergunta que aglutina todos os capítulos é: como o indivíduo se faz humano pelas práticas corporais? Ou ainda: como as situações de movimento, ensinadas na educação física, não só representam a cultura, mas criam cultura?

Essas questões mobilizaram o convite de inúmeros pesquisadores, coautores deste livro, no sentido de apresentarem suas contribuições para melhor compreendermos a complexa realidade social em que vivemos e encontrarmos saídas para um ensino da educação física mais lúdico, e que eduque um ser humano mais integrado consigo, com o outro e com o planeta.
LanguagePortuguês
Release dateSep 15, 2017
ISBN9788547305499
Movimento humano: incursões na educação e na cultura

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    Movimento humano - Pierre Normando Gomes-da-Silva

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    Aos estudantes que fazem os laboratórios Lepec e Laisthesis.

    À Capes, pelo apoio financeiro ao I Simpósio Internacional Cultura, Educação e Movimento Humano.

    APRESENTAÇÃO

    Toda construção exige ligaduras entre materiais. Podem ser pedras, areia, cimento, água, tijolos... Este livro-coletânea teve como marca duas pedras que se juntaram. Pierre (pedra, em francês) e Iraquitan (pedra verde, em tupi-guarani) fizeram uma aliança entre os laboratórios de pesquisas coordenados por estes para criar um evento¹ que liga estudos sobre a corporeidade nos contextos dos processos de ensino-aprendizagem e dos estudos socioculturais.

    Os temas da Cultura e Educação foram considerados para pensar os movimentos humanos numa perspectiva simbólica, e não apenas energética e performática. Encantamo-nos com as questões: como o ser humano se faz humano pela movimentação ou expressividade de seus gestos? Ou ainda, como as situações de movimento não só representam grupos sociais, mas podem ser tratadas na formação de seus cidadãos? Essas questões mobilizaram o convite de inúmeros pesquisadores no sentido de apresentarem suas contribuições empírico-teóricas com o fim de provocar discussões e propor saídas para o ensino da educação física. Apesar de perspectivas diferentes, todos os escritos partem da compreensão de que o sujeito da cultura é um ser indissociável entre corpo e mente, bem como de que o movimento humano é linguagem do ser, portanto é constitutivo da pessoa e da cultura.

    As experiências sociais e educativas do sujeito corporal se fazendo cultura formam a base existencial em que os pesquisadores se apoiaram para fazer suas interlocuções. O leitor atento irá encontrar neste livro textos consistentes sobre os diferentes processos de configurações e reconfigurações socioeducativas do corpo em movimento. Sobre as diferentes situações de movimento no propósito de educar o ser humano para um viver mais lúdico, mais integrado consigo, com o outro e com o planeta.

    O tornar-se sujeito capaz de movimentos intencionais e desejantes revela que não apenas percebemos o mundo como variações de qualidades sensoriais, capturadas de forma passiva. Perceber exige criações simbólicas, que atribuem uma pluralidade de sentidos para a vida. O ser humano não apenas está localizado no mundo submetido às leis causais da natureza. Ele é capaz de se projetar no mundo criando uma vida criativa, capaz de perverter os rígidos desígnios da vida biológica.

    Este livro, plural e dinâmico, está estruturado em quatro seções. A primeira seção, com dois capítulos, apresenta a abrangência de pesquisas dos dois laboratórios (Lepec e Laisthesis), organizadores deste livro. Na segunda seção, com três capítulos, discutem-se pesquisas sobre a relação das diferentes situações de movimento e aprendizagem, com proposições teóricas para abordar a educação física escolar de modo inovador. A terceira seção, constituída por oito capítulos propositivos, com indicações para realizar diferentes trabalhos com situações de movimento desde bebês até idosos. A quarta seção, composta por cinco capítulos, dedica-se a refletir sobre diversidade e pluralidade cultural. Com o fim de tecer maiores informações, convidativas ao leitor, resolvemos apresentar cada um dos capítulos.

    Na primeira seção, Pesquisar o Movimento Humano, os textos contemplam uma apresentação dos dois laboratórios. Inicialmente, temos um ensaio que apresenta a estruturação lógico-funcional do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (Lepec), destacando a explicitação de sua tríplice episteme na construção teórica inovadora para a educação física, realizado por Pierre Normando Gomes-da-Silva. Em seguida, temos as reflexões, realizadas por Iraquitan de Oliveira Caminha, sobre a concepção epistêmica do Laboratório de Estudos sobre Corpo, Estética e Sociedade (Laisthesis), considerando os principais conceitos abordados pelo grupo, bem como os principais teóricos de referência e os eixos norteadores das pesquisas do ponto de vista metodológico.

    Na segunda seção, Situações de Movimento e Aprendizagens, o leitor irá apreciar o capítulo do professor Mauro Betti, que discute o movimento humano como expressão própria do sujeito, e não como predeterminação de modelos mecânicos de base biologicista, que separa o movimento do sujeito-que-se-movimenta. E o capítulo de Reiner Hildebrandt-Stramann, descrevendo suas reflexões sobre o desenvolvimento da concepção didática aberta às experiências, contempla uma discussão sobre: didática na educação física brasileira; a compreensão de movimento como uma concepção dialógica de movimento; estudos empíricos sobre o significado de movimento no cotidiano das crianças (histórias de movimento com crianças); a configuração pedagógica de escola (escola móvel) e o desenvolvimento de um currículo para a formação dos estudantes no curso de licenciatura.

    Temos também o texto de Vera Luza Uchôa Lins, que mostra, a partir da teoria fenomenológica do mundo da vida e do método das histórias do movimentar-se de crianças, como podemos, metodologicamente, chegar à análise ecológica-social de uma história de movimento e como poderemos utilizá-la na escola.

    Na terceira seção, Situações de movimento e intervenções pedagógicas, são em sua maioria apresentação dos Grupos de Trabalho (GT) do Lepec. Danielle Menezes de Oliveira Gonçalves e Pierre Gomes-da-Silva escrevem sobre o GT Brincar do Bebê, referindo-se às investigações em torno dos jogos livres, realizados pelos bebês (até 36 meses) e propondo sistematizações para a educação física nos berçários.

    Sandra Barbosa da Costa, Judas Tadeu de Oliveira Medeiros, Josiane Barbosa de Vasconcelos, Vanusa Delmiro Neves da Silva, Everton Pereira da Silva e Pierre Normando Gomes-da-Silva apresentam o GT Brincar na Velhice, em que apresentam o brincar como não pertencente apenas a uma etapa de nossas vidas, mas como contínuo na existência, em especial na velhice. Assim, os autores destacam os resultados de diversas experiências já realizadas em diferentes instituições com a promoção da saúde.

    Ana Raquel de Oliveira França, Danielle Menezes de Oliveira, Liliane Aparecida Araújo da Silva, Thaís Henrique Pachêco, Mayara Andrade Silva e Pierre Normando Gomes-da-Silva apresentam o GT Jogos Sensoriais, discutindo sobre a importância da percepção sensorial na infância (4 e 5 anos) e propondo programas de jogos para a Educação Física Infantil.

    Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz, Leys Eduardo dos Santos Soares, George de Paiva Farias e Pierre Normando Gomes-da-Silva apresentam o GT Jogos Tradicionais e Esportivos, dando ênfase às situações de movimentos nos jogos pertencentes à cultura popular, transmitidos pela tradição oral, e nos esportes, especialmente o badminton e o handebol, para com o desenvolvimento dos estudantes do Ensino Fundamental.

    Sara Noêmia Cavalcanti Correia e Pierre Normando Gomes-da-Silva apresentam o GT Jogos Teatrais e destacam o jogo dramático, a partir da sistematização de Viola Spolin, como cerne para o conhecimento do mundo e para o autoconhecimento. Os jogos teatrais de improviso são tratados como uma prática corporal integrativa, capazes de contribuir na saúde mental. Estes jogos são tratados como possíveis de serem utilizados pelo(a) professor(a) de educação física, exigindo destes não a aptidão para atuar, mas o desejo da experimentação como jogador-ator presente no aqui e agora.

    Djavan Antério, Mariana Fernandes e Pierre Normando Gomes-da-Silva apresentam o GT Universo Capoeira Angola, destacando o jogo de angola como fonte para trabalhar os saberes de tradição afro-ameríndia na relação entre educação e ludicidade. Apresentam o lúdico da capoeira, assentado nos pressupostos da amorosidade, sensibilidade, criatividade e afetividade, e em explorar a ação comunicativa corporal por meio da gestualidade, postura e ocupação espacial.

    Alana Simões Bezerra, Micaela Ferreira dos Santos Silva e Pierre Normando Gomes-da-Silva mostraram a aula-passeio como uma técnica de ensino da Pedagogia da Corporeidade, desenvolvida pelo Lepec, para tornar a aprendizagem na educação física para além das salas de aulas ou quadras esportivas.

    O Tiago Penna revela que o vídeo pode ser uma ferramenta pedagógica seja por meio da exibição ou produção de filmes, possibilitando a troca de experiências ou transmissão de percepções de natureza sensorial ou intelectual.

    Na terceira e última seção, "Diversidade e Pluralidade Cultural", o leitor se deleitará com o capítulo de Berenice Bento sobre as disputas em torno da categoria gênero, apontando os limites que ainda se nota em torno da desnaturalização das masculinidades e feminilidades. Suas reflexões apontam para mostrar que esses limites podem ser observados se compararmos as estruturas argumentativas em torno das políticas afirmativas para as mulheres e para as pessoas negras.

    Temos o capítulo de Rosie Marie Nascimento de Medeiros, que faz uma reflexão sobre a pluralidade cultural e o respeito às diferenças, considerando o universo da arte da dança e, mais especificamente, das danças populares. Deixando visível que as danças populares são marcadas pela diversidade de povos que aqui estiveram e que criaram suas formas expressivas plásticas. E que, por isso, os elementos culturais e simbólicos, tecidos nos corpos e evidenciado nas gestualidades, nos personagens, nas músicas, são saberes, por vezes, pouco considerados no processo educativo.

    Vanessa Bernardo discute a respeito de um dos pilares da cultura Hip Hop – a Dança de Rua, identificando e caracterizando os diferentes tipos de danças, descrevendo o crescimento mundial da Dança Urbana como expressão da cultura da juventude atual.

    O Inaldo Ferreira Lima (Mestre Naldinho) conjuntamente com Djavan Antério discutem a Capoeira Angola como forma de constituir uma comunidade que luta por liberdade cultural e política, apresentando a capoeira como uma vivência poética e existencial.

    E, por fim, Luiz Anselmo Menezes Santos analisa as relações entre educação e cultura, destacando os desafios e estratégias do educador contemporâneo. Daí esse capítulo encerrar este livro fazendo um chamamento ao educador para ver-se em sua aula como intervindo no mundo, posicionando-se em face da realidade e assumindo a responsabilidade para com seus educandos na intenção de estes melhor compreenderem o sentido da vida, ampliarem a percepção e, consequentemente, a conscientização na forma de sentir, pensar e agir.

    Para encerrar esta pequena apresentação de muito conteúdo dos capítulos, destacamos o compromisso dos escritos deste livro com a alegria e a criatividade, bem como com a justiça e a luta social, por isso visualizamos parte dos membros dos dois laboratórios (Lepec & Laisthesis), visitando o museu de Jackson do Pandeiro, Cidade de Alagoa Grande-PB. O rei do ritmo, artista, que criou e recriou, incessantemente, diferentes ritmos da cultura musical brasileira com seu mágico pandeiro. Bem como visitamos a casa-museu de Margarida Alves, mulher paraibana, símbolo das lutas camponesas e da liberdade de expressão política.

    A interação entre o Lepec e o Laisthesis foi capaz de gerar essa elaboração criativa, que por ora apresentamos ao grande público. Portanto, movidos pelo espírito lúdico, Pierre Normando Gomes-da-Silva & Iraquitan de Oliveira Caminha, pedras que se juntaram para oferecer-lhes um caminho para educação física mais humana.

    SUMÁRIO

    PARTE I

    PESQUISAR O MOVIMENTO HUMANO

    CAPÍTULO 1

    PEDAGOGIA DA CORPOREIDADE E SUA ESTRUTURAÇÃO LÓGICO-FUNCIONAL

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 2

    CONCEPÇÃO EPISTÊMICA DO LAISTHESIS: O PODER ESTÉTICO DA CIÊNCIA

    Iraquitan de Oliveira Caminha

    PARTE II

    SITUAÇÕES DE MOVIMENTO E APRENDIZAGENS

    CAPÍTULO 3

    A TEORIA DO SE-MOVIMENTAR EM PERSPECTIVA SEMIÓTICA

    Mauro Betti

    CAPÍTULO 4

    DESENVOLVIMENTO E RECEPÇÃO DA CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA DAS AULAS ABERTAS ÀS EXPERIÊNCIAS

    Reiner Hildebrandt-Stramann

    CAPÍTULO 5

    HISTÓRIAS DE MOVIMENTO: UM MÉTODO PARA ENTENDER O MOVIMENTAR-SE DAS CRIANÇAS 105

    Vera Luza Uchôa Lins

    PARTE III

    SITUAÇÕES DE MOVIMENTO E INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS

    CAPÍTULO 6

    BRINCAR DO BEBÊ: INCURSÕES DE UM GRUPO DE TRABALHO

    Danielle Menezes de Oliveira Gonçalves

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 7

    BRINCAR NA VELHICE

    Sandra Barbosa da Costa

    Judas Tadeu de Oliveira Medeiros

    Josiane Barbosa de Vasconcelos

    Vanusa Delmiro Neves da Silva

    Everton Pereira da Silva

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 8

    JOGOS SENSORIAIS: PERSPECTIVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS DE UM GRUPO DE TRABALHO

    Ana Raquel de Oliveira França

    Thaís Henrique Pachêco

    Mayara Andrade Silva

    Danielle Menezes de Oliveira

    Liliane Aparecida Araújo da Silva

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 9

    JOGO TRADICIONAL E ESPORTIVO: PARA ALÉM DE SUAS RELAÇÕES DICOTÔMICAS

    Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz

    Leys Eduardo dos Santos Soares

    George de Paiva Farias

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 10

    OS JOGOS TEATRAIS E O PROCESSO DE APRENDER A SER UM OUTRO SER

    Sara Noêmia Cavalcanti Correia

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 11

    BRINCANDO CAPOEIRA NA RODA DOS SABERES: O VIVER CRIATIVO EM MOVIMENTOS ESPIRALADOS

    Djavan Antério

    Mariana Fernandes

    Pierre Gomes-da-Silva

    CAPÍTULO 12

    AULAS-PASSEIO DA PEDAGOGIA DA CORPOREIDADE

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    Alana Simões Bezerra

    Micaela Ferreira dos Santos Silva

    CAPÍTULO 13

    VÍDEO COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA: iniciação ao conceito de vídeo didático

    Tiago Penna

    PARTE IV

    DIVERSIDADE E PLURALIDADE CULTURAL

    CAPÍTULO 14

    REINVENÇÃO CORPO: DO DETERMINISMO BIOLÓGICO AOS GÊNEROS PLURAIS

    Berenice Bento

    CAPÍTULO 15

    HORIZONTES CULTURAIS E SIMBÓLICOS DAS DANÇAS POPULARES

    Rosie Marie Nascimento de Medeiros

    CAPÍTULO 16

    DANÇAS URBANAS: TRAJETO HISTÓRICO

    Vanessa Bernardo

    CAPÍTULO 17

    CAPOEIRA ANGOLA COMUNIDADE: ENCRUZILHADAS NA RODA E NA VIDA

    Inaldo Ferreira de Lima (Mestre Naldinho)

    Djavan Antério

    CAPÍTULO 18

    EDUCAÇÃO E CULTURA: DESAFIOS E ESTRATÉGIAS DO EDUCADOR CONTEMPORÂNEO

    Luiz Anselmo Menezes Santos

    REFERÊNCIAS

    Currículo breve

    PARTE I

    PESQUISAR O MOVIMENTO HUMANO

    Capítulo 1

    PEDAGOGIA DA CORPOREIDADE E SUA ESTRUTURAÇÃO

    LÓGICO-FUNCIONAL

    Pierre Normando Gomes-da-Silva

    Sinceramente, acho dificílimo se poetizar. Manter o espírito lúdico e inventivo é se resolver. Resolver ser um ser mais belo a cada dia. Eu agradeço ter conhecido todos vocês. Tá sendo tanta lapada que, se eu sair viva, eu saio gente! É muita riqueza neste ´laboratório´. Pus aspas porque deveria mais se chamar de ´terreiro do jogo´ ou ´cantinho do lúdico´, ou algo que representasse o espírito do jogo: que é germinar o belo, o sagrado, o superior de cada um (Sara Canti – membro do Lepec).

    1.1 Introdução

    Este capítulo é um esforço de síntese, para em poucas palavras apresentar a riqueza do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (Lepec). Um laboratório empenhado na elaboração de uma teoria-metodologia semiótica para o ensino da educação física, denominada de Pedagogia da Corporeidade (PC). Iniciamos com essa epígrafe porque, além de sintetizar a convivência no laboratório, por um dos seus membros, o trecho o apresenta em sua finalidade de contribuir na formação do Ser Brincante. Trata-se de um capítulo-convite aos professores de educação física para conhecerem a estruturação lógico-funcional de uma linha de pesquisa dedicada aà experimentação-pesquisa-ensino do movimento humano, ou melhor, de situações de movimento, numa abordagem semiótica da educação física.

    Aqui indicamos a tríplice referência epistêmica da Pedagogia da Corporeidade (PC), sua concepção das funções do ensino e a organização das três sublinhas de pesquisa, com seus respectivos grupos de trabalho (GT). Além de apresentar os princípios orientadores e normas do desempenho aos pesquisadores. Desejamos que este texto não seja tagarela, no dizer de Roland Barthes (1999), ou seja, que sua linguagem não enfare o leitor com um palavreado imperativo, automático e sem afeto. Pretendemos apresentar um pouco da escritura desse laboratório, portanto cada seção de escritos pretende-se convidativa, interativa, provocadora do desejo e, ao fim, da fruição.

    Apresentar o Lepec não é uma tarefa fácil, pois são dez anos de muito trabalho e inúmeras publicações: projetos de ensino-pesquisa-extensão, relatórios científicos, prêmios, entrevistas, monografias, dissertações, teses, livros, capítulos e tantos artigos científicos. Este livro, em sua terceira seção, especialmente, é um esforço nesse sentido. Gostaria de descrever a participação de cada uma das pessoas na construção desse laboratório, mas é uma tarefa impossível. Muitos passaram pelo Lepec e alguns foram formados por ele, pessoas que chegaram aprendizes na graduação e hoje, doutoras, lecionam e pesquisam no ensino superior. Isso sem falar na quantidade de crianças, jovens e adultos que foram beneficiados pelas ações desse laboratório.

    Sendo assim, nestas seções que se seguem, vamos delinear a Estruturação Lógico-Funcional da Pedagogia da Corporeidade, sem adentrarmos na explicitação de sua Estruturação Epistêmica, visto já termos privilegiado essa discussão em outras publicações (GOMES-DA-SILVA, 2011, 2012a; 2014; 2015b; 2015c; 2016b).

    1.2 Tríplice referencial epistêmico da pedagogia da corporeidade

    O Lepec foi gestado em silêncio, nos primeiros instantes do século XXI, durante três anos de pesquisa doutoral (março de 2000 a junho de 2003), defronte ao mar de Ponta Negra/RN-Brasil, num apart-hotel, sob a orientação da Dra. Kátia Brandão Cavalcanti, na Base de Pesquisa Educação e Corporeidade do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a quem somos muito gratos pelo acolhimento e pela abertura à criação. Também contou com a coorientação do Dr. Reiner Hildebrand-Stramann, professor da Universidade Técnica de Braunschweig (Alemanha), professor visitante no Brasil e autor da proposição Aulas abertas à experiência. Esse trabalho intenso, com dedicação de 12 a 16 horas por dia, de segunda à sexta-feira, apresentou-se numa construção teórico-metodológica inovadora para compreender o movimento humano, ou melhor, propor uma educação física pelo prisma semiótico.

    A defesa da tese, "O jogo da cultura e a cultura do jogo: por uma semiótica da corporeidade", aconteceu no signo de três. Dia 03/06/2003, com duração de 3 horas (das 15:00 às 18:00), no teatro do Departamento de Artes da UFRN. Sob o exame dos doutores: Edson César Ferreira Claro (dança), Betânia Leite Ramalho (formação docente), Ivone de Barros Vita (psicanálise), João Batista Freire (jogo) e João Batista de Brito (semiótica). Professores que em cada um dos saberes específicos teceram seus comentários e sugestões especializadas.

    Essa investigação tem-se mostrado com vida longa, pois, a partir de sua inspiração, depois de três anos da defesa, foi criado em março de 2006, no Departamento de Educação Física da Universidade Federal da Paraíba (DEF/UFPB), o Grupo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação (Gepec), com registro no Diretório de Pesquisas do CNPq. E com o apoio do DEF, do Núcleo de Ciências do Movimento Humano, pertencente ao Centro de Ciências da Saúde da UFPB, do Programa Associado de Pós-Graduação em Educação Física UPE/UFPB e do Programa de Pós-Graduação em Educação –CE/UFPB, vem desenvolvendo suas atividades.

    O Lepec está fundado num tripé teórico-metodológico ou num tríplice referencial epistêmico: a semiose peirciana, o sentido do ser heideggeriano e o brincar winnicottiano. Para não passar adiante sem situar o leitor, indicamos esse referencial numa rápida noção desses complexos conceitos.

    Semiose é um termo criado por Charles S. Peirce (EUA, 1839-1914) para referir-se a atividade do signo em sua tendência à multiplicação infinita, pois o significado de um signo é sempre outro signo mais elaborado e assim sucessivamente. Portanto, semiose compreende os processos de interação, comunicação, significação, representação e cognição, até porque os signos interconectam estados do mundo. O conceito de semiose está presente em toda arquitetura teórica de Peirce, a partir da noção metafísica do sinequismo, ou da continuidade relacional entre os elementos, apresenta o universo numa disposição evolutiva de aperfeiçoamento e crescimento cognitivos na relação. De modo que analisamos o movimento humano e concebemos o processo de ensino-aprendizagem como signos neuromotores, ambientais, culturais, cognitivos e fisiológicos interconectados. Esse conceito relacionado com a educação física está desenvolvido em Gomes-da-Silva et al. (2014b; 2015c) e Betti et al. (2013; 2015).

    Sentido do ser foi o conceito ontológico com que Martin Heidegger (Alemanha, 1889-1976) refundou na filosofia. Dasein, traduzido para o português, como: ser-aí, ser-no-mundo ou pre-sença, compreende a recolocação filosófica do problema do ser como historicidade. O ser tem modos: modos de existir, de ocupação do tempo ou de temporalizar-se (pre-ocupação, disposição, compreensão, fala). Daí a importância de uma Análise Existencial (daseinsanalyse) para trazer à luz o que na maior parte das vezes se oculta naquilo que se mostra. Em outras palavras, nosso trabalho também é fenomenológico-hermenêutico ao abordar o ente (movimento humano), a partir do modo de ser próprio do ente em cada circunstância. Assim, numa Analítica Existencial do Movimento procuramos desvendar o que se manifesta em cada uma das situações de movimento, naquilo que no início e na maioria das vezes não se deixa ver, que é a poeticidade do ser. Para compreender melhor esse conceito relacionado com a educação física recomendamos a leitura Gomes-da-Silva (2001; 2012b).

    Brincar, diria, foi a conclusão terapêutica desenvolvida pelo médico e psicanalista Donald Winnicott (Inglaterra, 1896-1971) para a psicanálise. Além de compreender que no brincar a criança tem prazer na aparente onipotência ao manipular objetos, associando-os a símbolos imaginários (Freud). Ou de reconhecer a similitude entre o brincar infantil e o sonho do adulto ou as verbalizações da criança ao brincar e a associação livre clássica dos adultos (Melaine Klein). Winnicott (1975) reconheceu o brincar como uma experiência criativa, vivida na continuidade espaço-tempo, com valor terapêutico em si mesma, e mais, como uma forma básica de viver para crianças e adultos saudáveis. Para melhor compreender esse tema na educação física propomos a leitura de Gomes-da-Silva (2005; 2016a; 2016b).

    São a partir desses três pressupostos fundantes que as produções lepequianas organizam-se e convergem, propondo um modo de existir lúdico. Portanto, a Pedagogia da Corporeidade propõe o jogo ou situação lúdica, nas aulas de educação física, como espaço-tempo propício para aprender a se relacionar com o entorno como horizonte de significação. Numa forma triádica diríamos, nossa compreensão semiótica de educação física baseia-se num primeiro (concebe a situação de movimento como semiose) em relação a um segundo (ao sentido do ser posto na experiência de movimento), mediados pelo terceiro (brincar). Assim, mesmo sem tecer maiores explicações conceituais tornamos visível esse contínuum de interligação tríplice, no diagrama a seguir:

    FIGURA 1 - DIAGRAMA DO TRÍPLICE FUNDAMENTO DA PEDAGOGIA DA CORPOREIDADE

    FONTE: adaptação do gráfico espaços constituintes das construções condicionais de Fauconnier (1997, p.132). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alfa/v59n1/1981-5794-alfa-59-1-0089.pdf

    Por isso, o Lepec, especialmente a teoria Pedagogia da Corporeidade (PC), tem como (P) "espaço de fundação o Brincar, porque sustenta a tese de que é pelo brincar que se aprende a viver de modo criativo. Defende que o espaço de fundação dessa EF é o ensino do jogo semiotizado ou refletido, aquele que se realiza, compreendendo o que realizou (possibilidades, escolhas, antecipações, cognições) e recordando seus significados. Portanto, tem como (Q) espaço de expansão" o Sentido do Ser, ou seja, são as experiências vividas no jogo que auxiliam a configuração da corporeidade no sentido de uma abertura ao imaginativo e criativo. Assim, a partir da Semiose, que é o (B) "base", interconexão, a PC desenvolve-se em suas pesquisas e intervenções docentes estabelecendo continuidades entre educação e saúde, indivíduo e sociedade, natureza e cultura, objetividade e subjetividade, cognição e afeto, espiritualidade e ciência, política e estética... superando tantas outras dicotomias.

    A PC situa-se entre educação e saúde, mediatizada pelo lazer, daí porque tomar o jogo como espaço/tempo pedagógico para a formação do Ser Brincante. Partindo do seu tríplice pressuposto, compreende que cada ser humano, a semelhança dos outros vivos, traz um potencial para desenvolver, ou melhor, para integrar. Porém essa tendência é apenas tendência, com muitas possibilidades de acontecer o contrário. Segundo Heidegger (2000), na maioria das vezes, o que ocorre na cotidianidade mediana é a decadência, seja por fatores

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