Política e gestão educacional
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Política e gestão educacional - Julio Cesar Torres
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO - POLÍTICAS E DEBATES
APRESENTAÇÃO
O presente livro resulta de pesquisas e estudos desenvolvidos por pesquisadores de diversas instituições, que se debruçam sobre temas que envolvem políticas curriculares, formação de professores, e a gestão educacional, no sentido de compreender como essas ações são formuladas e implementadas, suas contribuições e limites diante de um contexto democrático.
Pensar a gestão democrática nos dias atuais tem se tornado para nós, pesquisadores da Educação, um grande desafio. Embora as três últimas décadas tenham sido marcadas, sobretudo no campo educacional, por diversas conquistas, especialmente em termos de ampliação do acesso à educação, tanto no nível básico quanto no superior, ainda estamos distantes de garantir uma educação pública de qualidade para todos, visando ao alcance de uma democratização do ensino de fato.
Compreendemos que a democratização do ensino público de qualidade não poderá se dar pela via da centralização do poder de decisão sobre os rumos da escola pública, nas mãos dos chamados especialistas educacionais
, cujos projetos têm se voltado à utilização dos espaços escolares como meio de instrumentalizar indivíduos, tornando-os aptos à inserção no mercado de trabalho. A adoção dessa perspectiva produtivista, no âmbito da educação pública, tem resultado na elaboração de um conjunto de políticas educacionais que acabam por reduzir as possibilidades de ação dos profissionais da Educação, que passam a ser considerados como executores de diretrizes produzidas no âmbito do Estado.
Essa lógica tem culminado em um conjunto de políticas de controle, pela via de processos de avaliações externas pautados em discursos de eficiência dos sistemas na oferta de ensino de qualidade, cujo resultado é a redução do papel do Estado na oferta de insumos necessários à melhoria das condições de trabalho nas escolas atrelada a mecanismos de controle que conduzem os profissionais da Educação à busca de índices que nem sempre indicam qualidade no processo de ensino e aprendizagem.
Visando ampliar essas discussões, entre outras que se fazem necessárias no atual contexto, trazemos, nesta coletânea de artigos, dados e resultados de pesquisas que nos auxiliarão a compreender o impacto das políticas educacionais nos diversos níveis de ensino.
No primeiro texto, as autoras refletem acerca da ação do supervisor escolar por meio da análise de termos de visitas. O texto traz interessantes considerações a respeito das políticas educacionais implementadas a partir dos anos 1990, período que compreende diversas ações focadas nas reformas do Estado, intensificadas nos anos 2000. As autoras demonstram que essas políticas influenciam diretamente o trabalho do professor em sala de aula, pois resultam na intensificação do controle e fiscalização do trabalho docente por parte dos profissionais hierarquicamente superiores
aos professores, neste caso, os supervisores de ensino.
Dando continuidade a essa discussão, apresentamos o texto O princípio da gestão democrática do ensino público na política, no direito e na jurisprudência
, em que os autores discutem o princípio constitucional da gestão democrática
, e são apresentados elementos para que possamos problematizar alguns dos entraves que dificultam a adoção de mecanismos que ampliem a participação da comunidade escolar nos processos de tomada de decisão e, consequentemente, modifiquem a visão acerca da gestão escolar, fortalecendo os espaços de exercício da autonomia.
Com o objetivo de aprofundarmos essa temática, incluímos o texto do professor Celestino Alves da Silva Júnior, que discute a autonomia da escola. O autor desenvolve o tema com base em quatro pontos que considera fundamental para a compreensão da autonomia escolar e suas bases. Primeiramente, apresenta brevemente o conceito de autonomia na escola pública e suas múltiplas interdependências. Em seguida, apresenta algumas tendências de pesquisas que adotam a escola como objeto de estudo, e indica que o enfoque epistemológico adotado pelos pesquisadores é determinante para compreender a escola como instituição consolidada historicamente e com potencial de transformação ou como simples organização voltada à materialização de políticas impostas a ela em um momento histórico determinado. Para o pesquisador, compreender a escola como instituição permite-nos pensar sobre as condições para o exercício da autonomia na escola pública e a consolidação dos sistemas de ensino, pontos que o autor trata mais detalhadamente no decorrer do texto.
No quarto capítulo, subsidiando-se em estudos que procuram dar visibilidade às ações dos integrantes da escola, concebendo-a como organização especificamente educativa, voltada não apenas à execução de políticas formuladas no âmbito do Estado, mas a um conjunto de ações delineadas no âmbito da própria escola, as autoras apresentam uma análise das possíveis significações atribuídas aos temas gestão e qualidade em documentos publicados pelos governos federal e estadual paulista. As autoras compreendem que essas significações atravessam os sentidos construídos na escola, assim como também são influenciadas por eles. Desse modo, buscam estabelecer relações e construir problematizações que podem nortear a compreensão da realidade escolar.
Baseado em referências da pedagogia crítica, o próximo texto aprofunda o tema da gestão escolar, articulando-o ao tema do currículo, e defende o posicionamento de que tanto a gestão quanto o currículo são temas fundamentais na busca da justiça social, pois auxiliam o enfrentamento das desigualdades sociais reproduzidas nos espaços escolares. Os autores argumentam que esse processo de enfrentamento passa pela transformação dos professores em formadores de professores, conforme se comprovou no desenvolvimento de uma pesquisa colaborativa desenvolvida em um programa de formação continuada. Com base nessa pesquisa, identificam elementos individuais e coletivos que ajudam a construir uma nova perspectiva de ação voltada para escolas democráticas.
Apresentando parte de pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisa em Currículo, Formação e Práticas Pedagógicas (GPCFOPE) da Universidade Federal do Mato Grosso, os pesquisadores Ederson Andrade e Jorcelina E. Fernandes dedicam-se a analisar o processo de produção do texto curricular instituído pela Secretaria de Estado de Educação (Seduc/MT), intitulado Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso. A partir dessa análise, os autores demonstram que a política curricular é um espaço/tempo de articulações e proposições, e que seu processo de desenvolvimento permite identificar intencionalidades, articulações, discursos e significantes produzidos e estabelecidos contingencialmente. Nesse sentido, a política curricular é sempre reflexo de um processo híbrido, que não permite a produção de uma identidade fixa e permanente, mas, ao contrário, potencializa processos de identificações que se reconfiguram permanentemente.
Em uma discussão mais específica, Maévi A. Nono discorre a respeito do currículo da Educação Infantil, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº. 9.394/96 –, e aponta para a necessidade de se ampliarem as discussões em torno das orientações legais, levando em consideração as diferentes realidades escolares.
O texto seguinte confere destaque à produção normativa relacionada aos cursos de licenciatura de uma universidade pública paulista. Pautando-se em análises de documentos coletados nas instâncias administrativas da universidade investigada, os autores apresentam diversas mudanças nos cursos de formação de professores, ocorridas após a promulgação da LDB 9394/96 e, especialmente, após a homologação da Resolução CNE/CP 01/2002. Apresentado o conjunto de diretrizes e normas que fomentaram essas mudanças, os autores concentram-se nos documentos institucionais e identificam os diversos entraves que dificultam o avanço da discussão nos processos de reformulação das licenciaturas, impedindo mudanças significativas nos cursos de formação docente.
Fechamos o livro com um estudo em que os autores relatam suas experiências como gestores e professores em um projeto de extensão universitária, ressaltando a importância e a potencialidade do projeto como ambiente formativo e de iniciação à docência.
Esperamos que a leitura deste livro possa auxiliar diferentes pesquisadores envolvidos com o tema das políticas públicas educacionais e contribuir com o avanço do conhecimento da realidade escolar e dos sistemas de ensino.
Maria Eliza Nogueira Oliveira
Julio Cesar Torres
Alessandra David
Sumário
A SUPERVISÃO DE ENSINO NO PROGRAMA LER E ESCREVER
: análise de termos de visita
Alessandra David
Gisela do Carmo Lourencetti
Márcia Suzana Pinto Zoccal
O PRINCÍPIO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO NA POLÍTICA, NO DIREITO E NA JURISPRUDÊNCIA
Angelo Rodrigo Bianchini
Fernanda Motta de Paula Resende
Glariston Resende
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DA ESCOLA PÚBLICA: prática docente e teoria necessária
Celestino Alves da Silva Junior
GESTÃO E QUALIDADE: significações do governo federal e estadual paulista
Graziela Zambão Abdian
Ana Lucia Garcia Parro
Maria Eliza Nogueira Oliveira
O PAPEL DO PROFESSOR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA: a construção do currículo voltado para justiça social
Natalina Aparecida Laguna Sicca
Pedro Wagner Gonçalves
Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes
POLÍTICA DE CURRÍCULO E SEUS PROCESSOS DE HIBRIDAÇÕES
Éderson Andrade
Jorcelina Elisabeth Fernandes
CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PÓS-LDBEN Nº 9.394/96
Maévi Anabel Nono
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UNESP APÓS A LDB 9394/96: novas questões, velhos desafios
Julio Cesar Torres
Maria Dalva Silva Pagotto
Silvana Fernandes Lopes
CURSINHO PRÉ-VESTIBULAR COMUNITÁRIO VESTJR: uma experiência de formação de professores
Nathanael da Cruz e Silva Neto
Luís Henrique dos Santos Barcellos
SOBRE OS AUTORES
A SUPERVISÃO DE ENSINO NO PROGRAMA LER E ESCREVER
: análise de termos de visita¹
Alessandra David
Gisela do Carmo Lourencetti
Márcia Suzana Pinto Zoccal
Introdução
A década de 1990 teve como um dos maiores marcos a Conferência Mundial sobre Educação para Todos
, realizada em Jomtien, na Tailândia. Nessa conferência, organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco e o Banco Mundial estiveram presentes para decidir sobre os rumos para a Educação em âmbito mundial.
Os organismos internacionais e principalmente o Banco Mundial passaram a influenciar as políticas educacionais em todo o mundo, financiando e definindo prioridades e estratégias. Krawczyk (2000, p. 3) discorre sobre o poder crescente dos bancos na atuação sobre as políticas educacionais:
As reformas nos diferentes países iniciaram-se no quadro dos compromissos assumidos por seus governos e pelos organismos internacionais na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, Tailândia, em 1990. A partir desse encontro, pode-se dizer, a educação voltou a fazer parte das agendas nacionais e internacionais como tema central das reformas políticas e econômicas. [...] O poder crescente dos Bancos no âmbito político-educacional obrigou os Estados Nacionais a adaptarem-se aos ritmos impostos para a reforma, provocando a adoção de mudanças vertiginosas na área para não serem punidos.
O Brasil, inserido em um contexto neoliberal, globalizado e de acentuada competitividade em razão da lógica de mercado vigente, se comprometeu a seguir as recomendações das organizações internacionais para a implantação das políticas públicas para a Educação.
Especificamente o Estado de São Paulo, implantou, a partir da década de 1990, uma série de reformas educacionais que alteraram profundamente o cotidiano das escolas. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa que apresentamos neste capítulo é analisar os termos de visitas redigidos por um supervisor de ensino responsável pelo Programa Ler e Escrever
, buscando indícios de fiscalização e controle no trabalho realizado por esse profissional em relação às prescrições desse Programa.
1. O programa Ler e Escrever
As recomendações internacionais para a Educação se intensificaram a partir das últimas décadas do século XX, embora já ocorressem anteriormente. O Estado de São Paulo, nas últimas décadas, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino e reduzir os índices de reprovação e analfabetismo na etapa inicial do Ensino Fundamental, vem adotando políticas públicas que mantêm em suas concepções o trabalho sistematizado com a leitura, a escrita e o cálculo e também a produção de materiais e guias curriculares.
Compactuando com esses ideais, a partir de 2006 a Secretaria Estadual da Educação adotou inicialmente o Programa Letra e Vida
e, em seguida, o Programa Ler e Escrever
, que é o objeto deste trabalho. Ambos partiram de experiências adquiridas no município de São Paulo e tiveram como uma das ações a distribuição de materiais e guias curriculares.
Para Oliveira (2012, p. 53), o Programa Ler e Escrever
considerou as mudanças que ocorreram dentro e fora do País e que tiveram como consequência as transformações das ideias que permeiam a alfabetização. Dessa forma, tem como fundamento a concepção construtivista baseada nos estudos de Emília Ferreiro² e Ana Teberosky³, presentes no livro Psicogênese da Língua Escrita.
Esses estudos, alicerçados na concepção construtivista, passaram a compor a fundamentação teórica das políticas públicas curriculares voltadas para os anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio de Programas como o Profa
(Programa de Formação de Professores Alfabetizadores), do Governo Federal, e o Letra e Vida
e Ler e Escrever
, ambos do Estado de São Paulo.
Assim, o Programa Ler e Escrever
partiu das experiências adquiridas inicialmente com o Profa
e o Letra e Vida
, todos voltados para os primeiros anos do Ensino Fundamental. O Letra e Vida
possui praticamente o mesmo formato do Ler e Escrever
, como observou Calil (2008, p. 58):
[...] o Ministério da Educação e Cultura ofereceu, a partir do ano de 2000, às agências formadoras e aos sistemas públicos de ensino algumas condições técnicas fundamentais para a difusão desse conhecimento didático, por intermédio, inicialmente, do Programa de Professores Alfabetizadores (PROFA), e depois do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores Letra e Vida
.
Desse modo, foram poucas as diferenças observadas entre os Programas, sendo a mais expressiva o acompanhamento do trabalho do professor em sala de aula, que é uma prioridade do Programa "Ler e