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Voo Mental
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Voo Mental

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About this ebook

O Governo da Terra tem uma arma secreta especial na sua guerra fria contra os planetas das antigas colónias - espiões telepáticos. No entanto, aquilo que nem os espiões sabem, é que quando chegarem perto dos quarenta anos começam a desenvolver sintomas estranhos que os deixam mentalmente e fisicamente instáveis. Por norma, a Agência de Inteligência Terrestre extingue estes telepatas instáveis para os impedir de ameaçar a estabilidade de todo o projeto.

Alain Cheney é um dos melhores agentes telepáticos no arsenal da AIT. Ao logo de 14 anos, foi sempre leal e responsável. Mas agora que mostra sintomas desta instabilidade, a Agência decide eliminá-lo – mesmo quando surge um projeto secreto que poderá mudar o futuro da galáxia habitada.

Para sobreviver, Alain tem de procurar segurança algures. Porém, não pode confiar nos seus inimigos, e muito menos nos seus amigos...

LanguagePortuguês
PublisherParsina Press
Release dateAug 30, 2017
ISBN9781507188903
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    Voo Mental - Stephen Goldin

    PARTE I: TERRA

    Capítulo 1

    Alain Cheney sentou-se silenciosamente no lounge de passageiros espaciais, de cara enterrada nas mãos. Acariciou delicadamente a sua testa com os dedos, como se massajar a pele fora do crânio pudesse acalmar a dor latente que lá ia crescendo. Tinha os olhos fechados contra a forte luz do lounge e abrandou deliberadamente a respiração para um padrão mais estável e rítmico para o ajudar a lidar com a dor.

    Algo se aproximou dele. Com o mínimo de esforço mental, Alain conseguiu perceber que se tratava de um comissário de bordo que reparou neste passageiro sentado na sala. Conforme o homem se aproximava, surgia um cenário de emoções incompatíveis na mente de Alain, cada vez mais claras. O comissário estava preocupado porque o passageiro não parecia estar bem; no entanto, estava também chateado porque esperava abandonar a nave mais cedo e esta complicação poderia atrasar a sua partida.

    Quando se considerou dentro dos limites aceitáveis, o comissário falou em voz alta:

    – Está tudo bem, senhor?

    Alain ergueu a cabeça e abriu os olhos. Olhou diretamente para a cara do homem e tentou projetar confiança e normalidade.

      – Sim, tudo bem, obrigado.

      – Já quase toda a gente desembarcou, senhor. – Agora seguro que o passageiro não estava doente, a disposição do comissário mudou abruptamente para impaciência. Como consequência, acrescentou:

      – Não, eu... Eu só queria uns últimos momentos aqui no lounge antes de sair. Foi uma ótima viagem e queria guardar estas minhas memórias e sentar-me aqui por mais um pouco. Espero não estar a ser inconveniente para si.

      – Oh não senhor, não de todo, – disse o comissário enquanto os seus pensamentos contrariavam as suas palavras. Isto era de facto uma inconveniência e quanto mais cedo o passageiro saísse, mais satisfeito ficaria o comissário.

    – Já estava prestes a sair, de qualquer forma – disse Alain levantando-se. A calma do lounge foi-lhe destruída. Agora o comissário pairava constantemente à sua volta com dicas subtis que estaria na hora de se por a caminho. A pressão psicológica só iria piorar o seu estado. Sendo assim, mais valia sair e encarar o choque inevitável do exterior.

    Alain olhou para o salão uma última vez. Ele passou lá muito tempo durante a jornada de Leone para a Terra. Apesar de a nave ter transportado perto de cem pessoas, poucas iam ao salão fosse a que altura fosse, o que significava que o número de mentes a fazer pressão na dele próprio seria mínimo. Passou a maior parte da viagem a olhar para a escuridão infinita do espaço que lhe permitia que todas as sensações adormecessem e se deleitasse com a queda no esquecimento que os enormes visores proporcionavam.

    Agora, esses mesmos visores exibiam meramente o inferno que o esperava fora do casco da nave: A Base da Força Aérea de Vandenberg, Terra – uma turbulenta massa de humanidade em constante movimento Browniano pelos corredores de mosaicos limpos. Já era difícil para ele pensar na Terra como casa. Passou tão pouco tempo da sua vida adulta ali que quase se sentia um estranho às suas maneiras.

    O alívio do comissário era quase tangível quando Alain saiu do salão e começou a descer os corredores para a escotilha principal. Normalmente, haveria um funcionário elegantemente vestido à porta para se despedir dele. No entanto, a nave tinha aterrado há tanto que o funcionário já tinha abandonado o posto; as equipas de manutenção estavam agora por toda a nave, verificando a sua condição após a viagem espacial interstelar e preparando-a para a próxima viagem daí a uns dias. Os mecânicos mal prestaram atenção quando Alain saiu da escotilha e começou a descer a rampa a caminho do edifício da alfândega.

    Sair da nave foi como um golpe físico; cada passo rampa abaixo era um martelo a bater-lhe no crânio. À sua frente e do outro lado daquelas portas tenebrosas havia pessoas – centenas, se não milhares delas – cada uma com pensamentos individuais, transmitindo-os aleatoriamente para o ar. Para Alain Cheney, um telepata treinado, era um gritar barulhento que não podia ser parado simplesmente ao tapar os ouvidos.

    A maior parte dos telepatas usava drogas para abafar os seus poderes e afogar barulhos de fundo. Sabendo que ia aterrar na Terra, um mundo superlotado, Alain emborcou duas cápsulas extra de trimetalina naquela manhã, mas as suas precauções agora pareciam inadequadas. Nem a trimetalina ajudava muito atualmente.

    Quando alcançou o início da rampa, o ruído telepático tornara-se ondas a bater no seu crânio. Ele parou, preparando-se para o tormento que se seguia. Depois, empurrou as portas e entrou. O clamor audível só veio acrescentar à algazarra psíquica que agredia o seu cérebro. Multidões de pessoas pressionavam pela larga câmara aberta perante ele, empurrando-se e gritando numa confusão impessoal. Os altifalantes soavam incoerentemente do teto baixo e ninguém prestava a menor atenção. As câmaras de vídeo nos cantos superiores sondavam a cena friamente, registando todas e quaisquer possíveis transgressões. Os guardas armados com semiautomáticas Horgan feixe-z de várias velocidades estavam posicionados a cada poucos metros pela multidão de forma a corrigir qualquer situação que as câmaras de vídeo observassem.

    Havia mais vídeo-câmaras e guardas do que ele alguma vez teria visto antes, reparou enquanto forçava a sua passagem pelos motins de cor e o mau cheiro de todos os corpos misturados. Quase mais do dobro. "A segurança está apertada, pensou. Talvez deva estar grato por não viver aqui".

    A sua bagagem já tinha sido descarregada e estava num balcão. Alain esperou na fila, sofrendo pela tensão das pessoas à sua volta até chegar a sua vez. Ele entregou o seu número de talão à funcionária aduaneira, a sua mala foi tirada do suporte e colocada na mesa de inspeção.

    – Cartão de viagem – pediu rotineiramente a funcionária. Os seus pensamentos revelavam-na uma mulher aborrecida com o seu trabalho. O seu turno estava a chegar ao fim e ela estava ansiosa para ir para casa.

    Inseriu o cartão na ranhura e olhou para o ecrã lendo os dados. As suas sobrancelhas arqueavam ligeiramente enquanto verificava a informação; no entanto, apesar de a sua face não registar muita emoção, os seus pensamentos eram bastante claros para o telepata. Olhou para as encomendas especiais e examinou a aparência de Alain com cuidado, tendo em conta a foto dos que o visor mostrava. Voltou a olhar para Alain e esticou disfarçadamente uma mão para parte de baixo da mesa para pressionar um botão de atenção especial.

    – Os seus papéis parecem estar em ordem, senhor – disse monotonamente – Mas existe uma questão quanto à bagagem. Terá de falar com o meu supervisor. Por aqui. – e abriu o portão para deixar Alain passar.

    – Se insiste.

    Alain tentava desesperadamente manter a sua expressão livre da dor que sentia com excesso de pensamentos e emoções a bombardear-lhe a mente. Nunca antes tinha sofrido de uma oclofobia tão grave, mas preparou-se contra o que viria e seguiu a funcionária até um pequeno escritório vivamente pintado, onde um homem o esperava.

    Este homem de cabelos escuros era magro, esguio e parecia demasiado novo para estar nesta área de trabalho. Vestia roupa civil: um pullover sedoso com largas riscas diagonais azuis e vermelhas, calças azuis escuras que eram justas nas coxas e ridiculamente soltas daí para baixo. As calças estavam enfiadas em botas de camurça azul que chegavam a meio da barriga da perna. Os olhos do jovem homem estavam firmemente sérios.

    Quando Alain entrou, levantou-se. Dispensando a funcionária aduaneira com um breve gesto com a mão, encarou Alain e disse:

    – Estas viagens interestelares são muito desgastantes, não são?

    Alain estava à espera que o seu contacto fosse um pouco mais velho e se vestisse de forma consideravelmente mais conservadora. Contudo não havia dúvida; este jovem sombrio efetuou o sinal de reconhecimento correto.

    – Já o fiz vezes suficientes antes – disse Alain, efetuando o respetivo sinal combinado.

    Pôde dizer pela mente do outro que as pré-condições do encontro estavam completas, mas o seu contacto continuava a mostrar sinais de irritação.

    – Onde tem andado? A sua nave aportou há duas horas.

    – Tive assuntos pessoais a tratar.

    – Tenho coisas mais importantes para fazer que estar aqui sentado o dia todo à sua espera.

    Alain teve visões de um escritório atarefado, pilhas de correspondência, uma rotina frenética. Porém desvaneceram-se rapidamente; este jovem sabia como manter a sua mente em ordem ao lidar com um telepata e eram raros os detalhes alheios que escapavam à superfície.

    O contacto avançou e estendeu-lhe a mão.

    – O meu nome é Morgan Dekker. Fui instruído a certificar que está bem instalado enquanto cá está. – o seu aperto de mão foi firme, o seu tom calmo e eficiente. – A sua mala já está a caminho do quarto do hotel que providenciámos. Venha comigo.

    Os dois homens saíram pelas traseiras e começaram a descer um corredor longo e escuro.

    – Tenho de elogiar o velho Tölling pela sua eficiência, – disse Alain enquanto andavam – Este é o melhor acordo com que já lidei até agora.

    Dekker enrijeceu. Uma mancha de imagens contraditórias passou pela sua mente antes de ele lhes voltar a fechar a porta brutalmente.

    – Gunnar Tölling foi rescindido há sete meses atrás – disse bruscamente.

    O tom do outro homem causou um arrepio pela espinha de Alain. Gunnar Tölling esteve encarregue das Operações desde que Alain aderiu à Agência. O facto de ser rescindido tão abruptamente disse muito sobre o que se passava aqui na Terra nos dias de hoje. Alain perguntou-se se rescindido significaria o que ele pensava.

    O comportamento de Dekker indicou que as perguntas não seriam bem-vindas, mas Alain não podia deixar o assunto morrer desta forma.

    – Então quem está encarregue das Operações? – tentou que a pergunta soasse despreocupada.

    Desta vez a voz de Dekker foi mais calorosa.

    – Joby Karns.

    Estas notícias eram tão surpreendentes como bem-vindas. Alain passou pela Academia com Joby Karns; era uma mulher muito atraente e engenhosa. Até namoraram por um breve – muito breve! – tempo; não tinha resultado, mas desde aí manteve sempre uma ligação afetuosa por ela. Não ouviu falar dela nos últimos dez anos – e agora cá estava ela, de repente, sua chefe.

    – Isso são ótimas notícias – disse em voz alta. – Eu e ela temos uma longa história. Espero ter a oportunidade de a ver enquanto cá estiver.

    – Duvido. Ela está na Sede em Nova Iorque, e muito ocupada.

    Chegaram ao fim do corredor e saíram para uma plataforma; Dekker acelerou para o posto de sinalização, pressionou rapidamente uma série de números e depois inseriu o seu cartão de identificação na ranhura. Dentro de minutos um dos carros pessoais e independentes de trânsito rápido deslizou silenciosamente na sua direção e parou.

    O carro era pouco mais que uma grande caixa sobre rodas, com assentos para até quatro passageiros e pequenas janelas para ver a paisagem que passava. Não havia controlo de orientação, apenas um painel no qual deveriam ser inseridas as coordenadas. A máquina extraiu o poder e instruções das linhas de computador enterradas sob as ruas.

    Este carro era pintado de vermelho e branco por fora, com um cinzento neutro no interior. As paredes interiores foram pintadas e riscadas com graffitis de comentários típicos. Os dois homens entraram e Dekker inseriu o destino nos circuitos do carro. As portas deram um clique e o veículo deslizou pela rua.

    Nenhum deles falou durante a viagem. Dekker estava ocupado a manter os seus escudos mentais; foi obviamente informado que Alain era um telepata e estava determinado a não deixar escapar muitos dos seus pensamentos. Alain, apesar de curioso quanto a este jovem estranho, estava demasiado ocupado a lutar contra a dor latejante na sua mente para se incomodar com mais do que relances superficiais aos pensamentos do outro. Em vez disso, Alain recostou-se no seu assento e fechou os olhos, tentando o máximo possível que a tranquilidade tomasse conta dele. Não foi fácil.

    Ocasionalmente, Alain espreitava pela janela enquanto o carro se dirigia ao hotel. Estava vagamente perturbado com o que via. Seria apenas a sua imaginação ou tudo parecia mais sujo, menos bem tratado do que durante a sua última visita aqui? As pessoas que obstruíam as ruas estavam todas vestidas com roupas de cores vivas, mas o ânimo era tudo menos alegre. Os pedestres olhavam fixamente para a sua frente, raramente incomodando-se a olhar para o mundo à sua volta. Não havia sorrisos nem olhares severos à tona e o sentimento esmagador que bombardeava a sua mente era apatia. As pessoas não queriam saber. Sempre houve uma parte indiferente da população em qualquer sociedade humana, racionalizou Alain. Provavelmente é só a rota que Dekker programou que nos está a levar por um bairro menos próspero, é só isso.

    Contudo, a depressão que começou na viagem de Leone para a Terra permaneceu com ele até após Dekker deixar Alain no hotel onde a sua reserva foi feita. O telepata deixou-se cair exausto na cama e tentou, em vão, apagar da sua mente as impressões que colidiam das pessoas em quartos adjacentes.

    Ainda bem que amanhã vou ao médico, pensou. Talvez ele sugerira algo para esta situação.

    * * * *

    Dr. Javier daPaz olhou de forma suspeita para o ficheiro projetado no seu computador. Era o perfil do telepata tinha agendado para examinar no dia seguinte, Alain Cheney. Já tinha visto este homem noutras três ocasiões, uma vez em cada dois anos, quando era chamado para os testes físicos e mentais necessários.

    Havia duas linhas rabiscadas no fim das notas do último exame. Traduzido das abreviaturas pessoais de daPaz, podia-se ler:

     Observados sinais de instabilidade psi. Possível telepausa dentro de dois a três anos.

    Não dá para evitar uma sentença de morte, pois não? pensou amargamente. Temeu o exame do dia seguinte e o que poderia encontrar na mente de Cheney. Temia pior ainda as consequências das suas descobertas, pois não havia maneira de as esconder; a Agência iria monitorizar todas as suas ferramentas e saberiam os resultados assim que ele os descobrisse também.

    Javier daPaz aderiu à Agência há muitos anos atrás como um médico jovem dedicado, cheio de entusiasmo ao pensar na sua pequena contribuição na defesa da Terra contra os forasteiros.

    No entanto, conforme os anos avançavam, o brilho do seu entusiasmo foi corroído por uma ferrugem de cinismo. Começou a notar a recorrência de certos padrões – o mais perturbante foi o que ocorria nos telepatas mais fortes e competentes quando chegavam a uma fase de desenvolvimento identificada como telepausa. Quando era diagnosticada, nunca regressavam para exames posteriores.

    Ele não tinha a certeza de quando é que se apercebeu que os telepatas estavam a ser deliberadamente eliminados pelo seu próprio lado. No início a sua suposição foi que estavam a ser simplesmente reatribuídos a funções menos extenuantes tendo em conta a sua condição delicada – mas, gradualmente, essa opinião mudou. Não havia uma causa única; apenas uma palavra aqui, um olhar significante do pessoal das Operações ali – pequenas pistas que pesavam na sua mente e o tornavam desconfortável com a sua tarefa.

    Depois, logo após o último caso que diagnosticou, encontrou um pequeno artigo no jornal da noite sobre um corpo indeterminado afogado na praia perto de San Luis Obispo. A mulher tinha o cabelo ruivo e apenas quatro dedos na mão direita... o que soou suspeitamente semelhante à mulher que tinha recentemente diagnosticado com telepausa. Por muito que tentasse, não conseguia encontrar mais informação sobre a mulher que morreu – e uma chamada ao legista da sua área apenas lhe trouxe uma áspera repreensão para não se intrometer.

    Tirou férias durante uma semana e dedicou-se ao consumo excessivo de bebida e droga para tentar apagar a culpa que sentia, mas a morte não era dissipada assim tão facilmente. Posteriormente, pensou abandonar a Agência tentando-se decidir se isso seria um ato de coragem ou cobardia. Não arranjou solução e, apenas com a força do hábito, caiu na rotina da Agência assim que as suas férias acabaram.

    Agora o problema era encará-lo de novo, de uma forma que não poderia evitar. Amanhã Alain Cheney entraria no seu escritório com um provável caso de telepausa. E depois…

    DaPaz levantou-se da sua secretária, foi à casa de banho adjacente e olhou para o seu rosto prematuramente enrugado. "E depois, Doutor? perguntou-se a si mesmo. O que vais fazer depois?".

    Capítulo 2

    Apesar de já estar mais de cinco minutos atrasada para a reunião, Joby Karns entrou a sala de conferência como a tranquilidade e elegância em pessoa. O seu corpo esguio e suave estava vestido com um simples dashiki vermelho e preto. Ela não precisava de se vestir de forma elegante para ser bonita; ela sabia que o seu cabelo vermelho-cobre e rosto liso a faziam parecer uns bons dez anos mais nova do que realmente era. A sua beleza só podia ser melhorada pelo poder associado à sua posição. Um conhecimento profundo das suas capacidades e da sua influência davam-lhe toda a confiança que precisava.

    Os seus olhos azuis analisavam a sala, notando que toda a gente lá estava: Marina Shekova do Orçamento; Ho Li Wan, Relações Públicas (essencialmente, propaganda); Coronel Adaman Haiphez, Ligação Militar; Karl Jungerd da Contrainformação; Cohila Buturudos dos Serviços Técnicos; James Tennon da Criptografia; Romney Glazer da Segurança Interna; Phyllis Rokowsky, ligação ao Diretor; e, de pé na frente da sala, pronto para dirigir a reunião, Hakim Rajman, responsável pela Assimilação e Correlação.

    Um concelho entre iguais, pensou Joby ironicamente. Mas alguns de nós são mais iguais que outros.

    Ela podia ver que tinham estado à espera que ela chegasse antes de começarem. Fez-lhes um breve aceno conforme se sentou.

    – Que bom teres vindo, Joby – comentou Romney Glazer na forma azeda que só ele conseguia.

    – É bom saber que sentem a minha falta – respondeu. Não viu necessidade de lhes pedir desculpa ou até mesmo de explicar que tinha estado à espera da tardia chamada de Dekker sobre a chegada de Alain Cheney. Ainda não tinha acontecido e já se estava a começar a preocupar que algo poderia ter corrido mal. Contudo, não devia explicações a ninguém ali. Muito menos a um reles como Glazer.

    – A Joby já sabe muito do que vamos discutir. – disse Hakim Rajman da frente da sala, cortando a amarga troca de palavras. – Foram os seus agentes que descobriram o problema. Talvez deva deixá-la explicar as fases iniciais.

    Todas as atenções voltaram a cair sobre ela. Joby permaneceu no seu assento quando disse:

    – Há três dias atrás, o Ministério de Defesa de Leone realizou um encerramento completo das nossas operações lá. E quero dizer cem por cento. Todas as nossas fontes evaporaram, fecharam-lhes as bocas ou 'desapareceram'. Todos os nossos dispositivos de monitoramento foram deitados fora e destruídos, ou neutralizados de alguma forma. A conclusão lógica é que algo está a acontecer lá dentro, algo tão gigantesco que eles preferem revelar que conhecem as nossas fontes a nos deixarem ter a mínima ideia do que se passa.

    – Existem razões para se fazer limpezas – disse Karl Junger. – Por vezes uma mudança de administração quer começar bem, certificando-se que todos os espiões são leais e úteis. Ou pode ser algum jovem assistente a querer agradar o seu patrão. Ou até pode estar a tentar fazer um jogo de poderes expondo o patrão como ineficiente.

    – Ou talvez – falou Romney Glazer de novo – talvez o pessoal da Joby seja tão desajeitado que se tornaram uma vergonha para o próprio governo de Leone. E por isso acabaram com o seu sofrimento.

    – A A&C está ao corrente de todas essas e outras razões – rematou Rajman olhando Glazer de forma incisiva. Ele não gostava de fazer o papel de apaziguador, mas sabia que o tinha de fazer para a reunião se manter controlada.

    – Sentimos que nenhuma delas se aplica particularmente a este caso. A hierarquia na administração de Leone, particularmente da Defesa, tem sido estável há meses, por isso não há razões para se exporem. E se isto for uma simulação… Se quisessem que pensássemos que algo estava a acontecer para lá concentrarmos todos os nossos recursos e ignorar qualquer outra coisa, quase indubitavelmente eles ter-nos-iam deixado uma pequena abertura para podermos espreitar, dando vislumbres tentadores do seu suposto segredo. Eu e o meu pessoal estamos convencidos que esta repressão mostra um esforço genuíno de nos esconder qualquer coisa, algo que está a acontecer na Defesa.

    Phyllis Rokowsky clareou a garganta. Era uma mulher pequena, mas majestosa a aproximar-se da meia idade com apenas um pequeno traço de cinzento no seu cabelo preto elegantemente penteado.

    – A questão agora – disse – é o que é que nos estão a tentar esconder, e porquê. – apesar de ter falado com modos gentis, toda a gente prestou atenção; Phyllis Rokowsky reportava pessoalmente ao Diretor, que por sua vez reportava ao Primus.

    Rajman também clareou a garganta e remexeu nuns papeis à sua frente.

    – Seja o que for, podemos estar razoavelmente certos que envolve apenas Leone e nenhum dos seus aliados. Tudo indica que nos canais diplomáticos está tudo calmo. O pensamento imediato foi que tivessem desenvolvido algum tipo de sistema de novas armas perigosas. Enquanto não descartarmos inteiramente essa possibilidade, a nossa análise da desagregação mostra que este cenário tem uma probabilidade de menos de cinco por cento. Temos mantido uma monitorização cuidadosa em todos os seus projetos em andamento e nenhum deles está perto da conclusão. Mesmo que estivessem, nenhum dos novos sistemas é avançado o suficiente para justificar um apagão completo de inteligência como este que estão a usar.

    Rokowsky acenou e virou-se para Glazer.

    – Romney, como nosso perito em Segurança Interna, por quanto tempo conseguiríamos nós manter tal apagão se tivéssemos desesperadamente de proteger alguma coisa?

    – Não durante tanto tempo. – Glazer era agora todo ele pragmatismo. – Eu diria dois meses no máximo. Trabalhar sob tamanho sigilo põe toda a gente envolvida em grande tensão psicológica. Para além disso, existe o facto de a oposição trabalhar três vezes mais para derrubar o escudo exterior. Uma entropia garante inevitavelmente que se comecem a formar pequenas frechas quase assim que a barreira fosse erguida.

    – E também seria dispendioso. – acrescentou Marina Shekova, a diretora do orçamento da Agência. – O custo da sua própria segurança interna teria de aumentar duas a quatro vezes para aguentar o aumento de volume de trabalho.

    Rokowsky considerou a contribuição que estava a receber dos chefes

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