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Armazém Colombo
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Armazém Colombo

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About this ebook

This book is a small tribute to the roots of a person. Any person. Here are forty five short stories about the gorgeous life of a boy who was born and raised in the city of Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil, during the 40's and 50's. His world was represented by his neighborhood,family,friends and colleagues.

Aqui foram reunidas 45 pequenas histórias, escritas em épocas diversas, que tomam como cenário uma vizinhança na cidade de Belo Horizonte, MG, Brasil, décadas de 40 e 50. Escrito sob a perspectiva de um menino ou jovem no início da adolescência. Somente na Língua Portuguesa.

LanguagePortuguês
Release dateJan 26, 2012
ISBN9781465859655
Armazém Colombo
Author

Carlos Gentil Vieira

Carlos Gentil Vieira nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil e mora na cidade do Rio de Janeiro há muitos anos. Começou sua atividade de escritor aos nove anos de idade, no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, quando escreveu "O Reino sem Sossego", um livro cujos originais (com ilustrações do autor) se perderam no tempo, depois de várias tentativas de edição. Ainda não existia a Smashwords. Depois disso, na vida adulta, escreveu em parceria um livro na área de Administração de Empresas chamado "O Gerente Animador". E, depois, vieram outros livros, todos disponíveis aqui no formato de eBook. O autor confessa que adora a comida típica mineira, e arrisca uma cachaça de vez em quando. Tem preferência pela "Bento Velho", de Conceição do Mato Dentro. Carlos Gentil Vieira was born in Belo Horizonte, MG, Brazil, and has lived in Rio de Janeiro for a long time. He loves typical Minas Gerais cuisine, with dishes such as "frango com quiabo", "canjinquinha com costelinha" and "feijão tropeiro". Sometimes, as traditional in his state, he drinks an authentic "cachaça", which he recommends to adults as a healthy habit.

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    Book preview

    Armazém Colombo - Carlos Gentil Vieira

    O PRINCÍPIO DE TUDO

    Escrevi meu primeiro livro aos nove anos de idade. Esta idade mágica que representa o despertar de nós mesmos. O livro - ainda bem - nunca foi publicado, e afinal os originais se perderam no tempo. Tinha o título pomposo de O Reino Sem Sossego. Formatado em capítulos, com ilustrações do autor, e lido em sala de aula para os colegas do Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Hoje não consigo entender como venci uma timidez endêmica que me acompanhou até a idade madura e aceitei aparecer assim como escritor tão precoce.

    Não me lembro mais de como comecei a escrever. Tudo era colocado em um caderno, escrito nas horas vagas. Olhando de longe, acho que todas as horas, naquela época, eram vagas. Eu escrevia para o meu público. Crianças como eu, que não tinham televisão, e eram muito influenciadas pelas histórias em quadrinhos que corriam solto, e eram trocadas e disputadas no tapa. Uma vez fui à casa do Tércio Drummond, perto da rua do Ouro, e fiquei simplesmente louco ao descobrir pilhas e mais pilhas de gibis, alguns da década de 30. Não acreditei que alguém pudesse guardar tanta revistinha antiga, nunca tinha visto nada igual, e pedi logo todos os gibis emprestados. Precavido, Tércio emprestava à prestação. Só podiam ser dez revistas de cada vez. Eu devorava tudo à noite, incansavelmente. Isso sim era cultura.

    Mas, voltando à minha nascente profissão de escritor, tão promissora dizia a família, acho que morreu ali mesmo. Só muitos anos mais tarde, já com quarenta anos, aceitei o desafio de meu amigo Álvaro Esteves para escrevermos um livro a quatro mãos, e aceitei. Ganhamos um prêmio, com direito a muita cerveja. Fora isso, só minha atividade diletante de editor de revistas e jornais, uma vocação que mantive até recentemente.

    No Grupo Barão, aquilo de escrever livro era apenas mais uma brincadeira. Eu só percebi que estava agradando de alguma forma ao meu pequeno público quando, um dia, na falta da professora titular, a substituta, meio sem saber o que fazer, pediu à turma alguma sugestão de atividade, e eu fui intimado a ler um capítulo inédito do meu livro, para espanto da mestra. Como podia um menino escrever livro?

    Depois de concluído com aquele fim dramático do príncipe salvando a princesa, meus originais foram transcritos com toda paciência pela minha irmã, apostando numa promissora carreira intelectual do irmão, coisa que nunca aconteceu. Datilografado em duas vias criteriosamente, revisto com toda seriedade por mim, e novamente ilustrado a cores.

    Em dado momento, depois de uma conferência familiar, concluiu-se que seria necessário ouvir uma opinião isenta, antes de partir para a empreitada da publicação. Eu me lembro que a esta altura estava mais preocupado com a rua, as férias, as primeiras descobertas do mundo, do que propriamente com aquela chatice, escrita por um impulso inexplicável.

    Uma noite fomos levar os originais para ouvir a opinião da professora Naly Burnier, amiga da família que morava ali na rua Aimorés perto de Bias Fortes, e de alguma forma envolvida com livros infantis. Eu ainda sem entender nada. Depois de uma rápida leitura, alguns comentários, e uns biscoitinhos de nata, a Naly se deteve numa ilustração que mostrava uns cavalos saltando de paraquedas. Pronto, aquilo deu a maior confusão. É possível, não é possível, e eu continuava a não entender nada. Se o livro era meu, se eu havia colocado aquela cena, tudo era possível. Daí ela chama o eterno noivo, que na sala devia estar escutando algum jogo pelo rádio, e foi chamado a opinar. Eu, atônito. Ele, naturalmente relembrando seus bons tempos de CPOR, decretou que sim, era possível. Porque não? Cavalo também salta de paraquedas. Eu agradeci-lhe aquela salvadora intervenção e perguntei, baixinho, à minha mãe se não era melhor a gente ir saindo, ainda tínhamos que voltar à Serra, pegar o bonde, uma dificuldade. Este mesmo livro, escrito no formato de folhetim, representou um verdadeiro salto quântico na minha ainda pequena existência. Eu podia pensar, e imaginar. Criar mundos novos, desconhecidos, povoá-los de seres e sentimentos. Esta capacidade de sonhar, apesar de tudo, me acompanha até hoje.

    Minha ideia aqui foi fazer mais ou menos a mesma coisa. Pegá-lo pela mão, caro leitor e cara leitora, e revisitar este nosso tempo de criança, num lugar chamado Belo Horizonte, ali pelas décadas de 40 e 50. Posso assegurar que era um pedaço do paraíso. Pena que as cidades de hoje tenham perdido muito do seu encanto, a título de progresso, e tenham se transformado naqueles mesmos monstros que eu coloquei no meu livrinho. Desconfio que foi um mineiro ilustre daquela época, Juscelino Kubitschek - personagem pelo qual tenho grande admiração, diga-se de passagem -, quem desencadeou, sem querer, este ciclo de loucura urbana em que vivemos. Juscelino, prefeito de Belo Horizonte na década de 40, foi um reformador da cidade, até então apenas um tédio, como disse Carlos Drummond. Se os construtores Aarão Reis e Francisco Bicalho foram minuciosos em planejar a primeira capital brasileira do século XX, Juscelino foi ousado em modificá-la. Mexeu no traçado, criou novas avenidas, construiu a Pampulha. Ao governar o Estado lançou o lema do binômio energia e transporte. Era preciso realizar obras, encurtar distâncias, investir na infraestrutura. Não parece um discurso atual? E acho que foi por causa deste mesmo mote de campanha que surgiu em BH em 1952 o jornal alternativo e meio anarquista Binômio, de José Maria Rabelo.

    Mas deixemos esta realidade para lá, e vamos fingir que o tempo parou. Ruas perfumadas de dama da noite, casas senhoriais, famílias conversando nas calçadas (livres dos caninos que insistem em sujar o nosso caminho), crianças brincando na rua de manhã até à noite, sem a mínima preocupação por parte dos pais. Não havia, ainda, sido descoberta a tal de dona violência, que nos tirou um pouco a brincadeira de criança e a alegria de viver.

    O ARMAZÉM

    A gente ia de bonde. Começava no abrigo Ceará, ali na praça Doze, corria mole pela Paraúna, subia Rio Grande do Norte e entrava na Cristóvão Colombo, em direção à praça da Liberdade. Fiz muitas vezes este percurso, pés balançando, olhando as casas e as ruas que se sucediam como num filme.

    Este foi o meu primeiro passeio na vida, o primeiro encontro com o mundo. Está lá registrado no Livro do Bebê: Foi passear com sua irmã Verinha até o Armazém Colombo. O dito armazém era uma instituição nos arredores da Savassi, de caderneta e tudo. Consta que os donos eram portugueses da Beira e ele ficava ali na esquina da Cristóvão Colombo com Paraíba. As entregas a domicílio eram feitas com um furgão verde, daqueles tipo Dick Tracy. Os caixeiros, como se dizia, usavam na cabeça aquele saco de açúcar pérola azul, enrolado, como se fosse um boné. E aventais, naturalmente. Minha avó, senhorial, mandava entregar em casa. Nós, mais modestos, íamos de bonde fazer as compras. Isto foi antes de aparecer o Entreposto, ali na avenida do Contorno.

    De qualquer forma éramos conhecidos. Todos eram conhecidos. A gente chegava, assuntava os preços, minha mãe sempre pediu um abatimento, o que era concedido. Deviam odiar aquele costume mineiro de pedir abatimento, ou já colocavam o desconto no preço. De qualquer forma, a lista ia sendo percorrida, e a caderneta devidamente preenchida, para pagamento ao final do mês. Eu sempre me preocupei mesmo foi com as bolachas Maria. Nunca consegui acompanhar aquela rotina cansativa, sem sair levando umas Marias no bolso. Ia comendo calmamente, e acho que pagava o sacrifício. E também gostava de ficar enfiando a mão no feijão, naquelas imensas caixas de madeira, com tampa, onde ficavam os grãos e as farinhas. O caixeiro usava a medida de latão, pesava, e separava os sacos para serem levados. Muito mais tarde voltei a ver aquele mesmo tipo de caixa na casa de D. Biju, em frente à Igreja da Conceição em Sabará, remanescente do armazém de seu Antônio Geo.

    Quando, alguns anos depois, me mandavam fazer alguma compra no Entreposto - uma central de abastecimento que ficava próximo da minha casa - ficava pensando que não havia nada como o Armazém Colombo. O Entreposto era pequeno e desorganizado. Devia ser porque era estatal. Já um prenúncio de que os governos seriam maus administradores. Salvava-se o açougue, na rua Estevão Pinto, em frente ao ponto do bonde, perto da casa de Vó Leonor. Minha mãe reclamava sempre do contrapeso, que os funcionários insistiam em adicionar ao seu pedido. Encarecia a conta e não servia para nada. Mas, mesmo assim, ela dizia que o Entreposto era melhor opção do que o Zé Açougueiro - isto para diferenciar do Zé Barbeiro, um ao lado do outro - porque este sim, tinha as balanças todas desarranjadas, assinalando um peso maior naturalmente.

    Estes dois Zés sempre fizeram parte do folclore do bairro. Era no Zé Barbeiro que as notícias corriam rápidas, numa franca concorrência com o Bar do Plínio. Era lá que o Bebeca lia seu jornal da manhã todos os dias, de graça, já que morava em frente. Foi ali também que me fizeram aquele corte de cabelo humilhante, todo raspado, com um topetinho na frente. Era o padrão para crianças. O corte todo devia levar uns dez minutos. Lembro-me que o Zé Barbeiro não era de falar muito. Mas, ouvia. Assim como a Fernandinha aqui de casa. Ouvia muito, e murmurava concordâncias ou desaprovações, balançando a cabeça. Com isto, naturalmente, referendava os comentários que os fregueses faziam sobre tudo. Sobre a política (primeiro prato dos mineiros), sobre o Atlético, sobre mulheres infiéis, sobre o custo de vida. A prefeitura naquele início dos anos 50 era muito ativa. O prefeito era Américo René Gianetti, a quem fui apresentado uma vez no Parque da Gameleira pelo meu avô. Mas, mesmo assim, havia muita coisa a fazer. A Pampulha - esta grande obra de Juscelino - ainda era um ermo, com muito terreno baldio. O sistema de transporte urbano havia de ser mudado, com novas linhas de lotações, e a substituição progressiva do bonde pelo trólebus. Os cruzamentos de ruas e avenidas, sem sinais de trânsito, eram um desafio aos motoristas. O calçamento das ruas, em sua maioria, era ainda de paralelepípedos, exigindo um batalhão de meninos que se revezavam pelos bairros capinando o matinho que surgia entre as pedras.

    Neste meio tempo, apareceram uns alemães na minha rua sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. Eles foram morar na vila de casas do seu Leão. A família - pai, mãe e um casal de filhos - havia imigrado. A situação era tão feia que eles quase não tinham roupas. Os homens usavam ainda alguns casacos verdes do exército, para compor a indumentária nos dias mais frios. Os filhos foram logo empregados na Mannesmann, e o pai colocou uma banca de jornal em frente ao Entreposto (não me perguntem como essas coisas eram possíveis naquela época). Falar em banca de jornal é um pouco força de expressão. Acho que alguém usou este termo com o alemão e ele confundiu tudo. Arranjou um banco de madeira, encostou no muro da Casa de Saúde Santa Clara, colocou as revistas e jornais em exposição e começou a vender. Apenas tijolos, toscamente arranjados por cima, impediam os exemplares de saírem voando com o vento. Isto tudo sem falar uma palavra de português. Não era este o país da oportunidade? Não devia ser aqui a tal da América?

    Os alemães nunca trocaram um cumprimento conosco, mas não nos esquecemos deles. Será que ainda moram no Brasil? Só sei dizer que meu amigo Túlio Bueno andava pela rua atrás da moça dizendo o tempo todo "Ich lieb dich". Única coisa de alemão que me ficou na memória.

    (Nota 1) O nome da praça 12 de Outubro mudou e hoje é uma homenagem ao industrial e financista mineiro Cel. Benjamin Ferreira Guimarães, patriarca da família Guimarães e idealizador do Hospital da Baleia, que menciono mais adiante. O curioso é que a praça 12 chamava-se 7 de Setembro no projeto original da cidade, e a atual praça Sete, ícone da vida belorizontina, era chamada de praça Doze. Parece que foi Raul Soares quem propôs a troca de nomes, isto lá em 1922. Surgiu um impasse com o projeto de se colocar um obelisco comemorativo da Independência, o famoso Pirulito, na praça mais central da jovem cidade - a homenagem não combinava muito com o nome da praça. Então, decidiram trocar os nomes. Tão simples quanto isso. A praça 12 da minha infância possuía um abrigo, como se dizia, e era o ponto final do bonde que vinha da praça da Liberdade. Também por ali passavam os bondes que demandavam a Serra e o Cruzeiro. E, finalmente, a praça Benjamin Guimarães de agora passou a ser mais conhecida como praça ABC, tomando como referência uma padaria local, que também já acabou. Mais ou menos a mesma coisa que aconteceu com a Savassi.

    SEU PALMIRO

    Fui aluno, sim senhor, do Jardim de Infância Bueno Brandão. Recentemente li que Fernando Sabino e Helio Pellegrino também foram colegas ali, e formaram amizade para a vida toda. Da nossa família, a última a frequentar as salas do Bueno foi nossa afilhada Paulinha. Não mais aquele velho Bueno que eu conheci, mas um outro prédio inteiramente novo, transformado que foi em escola estadual. O Bueno Brandão formava com o Grupo Escolar Barão do Rio Branco uma dupla indissolúvel. Cada um de um lado da avenida Paraúna, ou Getúlio Vargas como atualmente é conhecida, ocupando um quarteirão inteiro. Os prédios eram do início do século XX, começo de Belo Horizonte. O do Bueno foi todo importado da Bélgica, estrutura metálica e ripas de madeira, pintado de verde, com as telhas em tom de vermelho. Havia uma grande cúpula central, com as salas de aula formando alas. Na área externa existiam também umas casinhas, estilo chalé, onde nós brincávamos nos recreios, sempre de bandido e mocinho. Além disso, tinha espaço para canteiros, onde plantávamos hortaliças, todos de avental e na maior seriedade.

    Era costume, naquela época, fazer-se a coroação de Nossa Senhora nos meses de maio. Não sei por que alguém cismou que eu tinha uma boa voz e fui indicado para cantar na coroação. Pânico na família. Ninguém cantava nada, e agora aparece uma vocação para Caruso? Parecia muito estranho. Eu ali só olhando, uma característica da minha infância. Durante os ensaios, notei uma certa exasperação por parte da mestra de canto, a minha voz não saía no tom de jeito nenhum. Eu bem

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